Via da Verdade |
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segunda-feira, junho 28, 2004
a pedido da Ana R. Estruturalismo - Linhas Gerais O estruturalismo foi um movimento intelectual que teve o seu apogeu em França na década de 60 do século XX. A ideia comum a todas as abordagens estruturalistas (antroplógica, sociológica, económica, psicanalítica, etc.) é a de que por detrás dos fenómenos de superfície (mitos, rituais, regras culturais e de convivência social, manifestações artísticas, etc.) existem leis constantes que os regem. Ao procurarem definir métodos exactos de investigação que permitissem saber o que é que se podia efectivamente aceitar como um facto, ou seja ao tentarem tornar mais científicas as ciências humanas, os estruturalistas inspiraram-se na matemática e na linguística de Ferdinand Saussure para quem todos os sistemas de signos são linguísticos por natureza. Os estrututalistas Levi-Strauss, Jacques Lacan, Althusser, Barthes foram buscar a ideia saussureana de que as unidades linguísticas (sons, palavras...) só ganham sentido numa rede de relações, ou seja, no contexto de uma linguagem, e aplicaram-na aos seus respectivos campos de investigação. Assim, o antropologista Lévi-Strauss diz-nos que do mesmo modo que, segundo Saussure, as palavras e os sons (unidades linguísticas) só ganham sentido num sistema (no contexto de uma linguagem), também os fenómenos humanos (como o casamento, a proibição do incesto, os mitos, etc.) só ganham sentido dentro do sistema em que estão inseridos. Ou seja: 1) Da mesma forma que as unidades linguísticas em Saussure, as relações de parentesco (que Lévi-Strauss estuda em "As estruturas elementares de parentesco") constituem sistemas. 2) Por debaixo destes sistemas existem estruturas inconscientes que funcionam como leis. 3) Estas estruturas constroem-se devido a trocas. E a troca é o mesmo que comunicação, simplesmente o que aqui se troca não são sons e palavras, mas relações, pessoas, etc. É porque consideram que toda a cultura e tudo o que é essencialmente humano é comunicação (troca), que Lévi-Strauss e os estruturalistas retiram os seus métodos de investigação da linguística de Saussure. Um fenómeno (um mito, uma regra social, uma lei económica, etc.) por si só não prova nada. O que prova é o sistema que o traz à luz e o organiza de forma inteligível. Todos os factos fundamentais da vida humna são relacionais e estruturais. Ou seja, só podem ser compreendidos se olharmos para lá dos simples factos, para as relações que os constituem. Estas relações (estruturas) podem estar escondidas mas os fenómenos que estão à vista derivam dessas estruturas escondidas. Conclusão Se tudo deriva destas estruturas escondidas (o inconsciente colectivo) o homem não é um ser livre (como pretendia, por exemplo, o existencialista Jean Paul Sartre), mas, antes, todas as suas vivências estão determinadas pelas leis da natureza, pelas leis do grupo, pelas tais estruturas escondidas que os estruturalistas pretendem revelar. É neste sentido que os críticos do estruturalismo o acusam de ser um anti-humanismo - sendo que o humanismo tradicional proclama a liberdade essencial do ser humano. (0) comentários terça-feira, junho 08, 2004
a pedido da Mónica... A Morte de Deus, a Vontade de Poder e o Eterno Retorno no Zaratustra de Nietzsche.* Introdução A obra Assim Falava Zaratustra deve ser lida como um romance de formação dentro de uma concepção trágica da vida. Nesta obra, publicada em 1881, efectua-se pela primeira vez em filosofia a passagem de uma linguagem conceptual, argumentativa, teórica e sistemática (ou seja, uma linguagem tipicamente filosófica), para uma linguagem artística, poética, narrativa e dramática. Com o Zaratustra Nietzsche pretendeu retomar a forma da tragédia e da epopeia gregas (elogiada já em "A Origem da Tragédia") numa tentativa de "soltar" a palavra do conceito, expressão da racionalidade ocidental que tanto o repugna. Nietzsche não é um pensador sistemático, é um intempestivo, e é através da narrativa e do drama que pretende libertar a filosofia ocidental do sistema. Análise No início do primeiro livro, Zaratustra está num estado de plenitude. Dez anos de solidão em que esteve isolado na montanha curaram-no do niilismo. Ao descer da montanha Zaratustra encontra um ancião que o reconhece: Este viandante (...) passou por aqui há muitos anos. Chamava-se Zaratustra mas mudou. Nesse tempo levavas as tuas cinzas para a montanha; é o teu fogo que levas agora para o vale? Não te arreceias do castigo reservado aos incendiários? Zaratustra desce da montanha em fogo, pronto a incendiar o mundo dos homens. Na montanha Zaratustra descobriu que Deus morreu e quer agora anunciar essa morte aos homens no vale. Qual é o significado da morte de Deus? A morte de Deus é a constatação de que a filosofia, ou seja, as grandes questões que sempre atormentaram o homem, já não encontram o seu fundamento em Deus, mas no homem. Zaratustra (Nietzsche) não mata Deus, apenas constata e anuncia a sua morte, a sua substituição pelo homem. - Kant perguntava-se por aquilo que o homem pode conhecer. Os valores cristãos desapareceram, os valores da modernidade que Zaratustra descobriu são humanos demasiadamente humanos. Se Deus morreu qual o fundamento último dos nossos valores? Como não entrar no desespero face a esta orfandade? Como não cair no niilismo. É aqui que Zaratustra se anuncia como mestre do super-homem. Para impedir que o homem caia no niilismo passivo face à morte de Deus, Zaratustra irá falar-lhe do super-homem, aquele que supera o mundo do além valorizando a própria terra. No entanto, a missão deste mestre do super-homem fracassa. Zaratustra não consegue que o ouçam. Não consegue ensinar o povo na feira, que prefere o último homem, o nada da vontade ao super-homem. Como tal, Zaratustra desiste de falar ao povo, aos homens reactivos e passivos que se limitam a imitar e a repetir os valores apreendidos: É longe da feira e da fama que estão os verdadeiros criadores. Quando Zaratustra descobre que o povo não sabe que Deus morreu muda de estratégia. Recua até à criação de Deus pelo homem. Não é Deus o criador, é o homem que tem vontade criadora. O primeiro livro de Assim Falava Zaratustra é uma oposição entre Deus e o super-homem. Zaratustra dirige-se não mais ao povo mas aos criadores: Quero unir-me aos criadores. Zaratustra quer ensiná-los e motivá-los a agir, a criar os seus próprios valores. Pensar é criar novas tábuas e não seguir as antigas. É a criação que coloca o homem no caminho do super-homem. (note-se a referência inicial ao Zaratustra como um romance de formação). Durante o primeiro livro e no início do segundo, Zaratustra surge-nos como uma personagem apolínea. Nos três cantos do segundo livro (Canto Nocturno, Canto da Dança e Canto do Túmulo), Zaratustra aparece-nos pela primeira vez a cantar. Canta ditirambos dionisíacos. Estes três cantos devem ser lidos como uma auto-crítica do próprio Nietzsche que ainda se sente muito metafísico, ainda muito ligado a Schopenhauer, a Wagner e a Kant. Ainda não é o filósofo trágico que deseja ser. É a partir desta altura que surgem os dois grandes temas da obra, além da Morte de Deus: a Vontade de Poder e o Eterno Retorno. A Vontade de Poder é o princípio pelo qual a vida se projecta além de si própria. A vida é o único critério de valor. Como tal, os valores que o homem criou, os valores do além, são valores ilusórios que negam aquilo que realmente tem valor, a vida. Os valores cristãos são inferiores aos valores que afirmam a vida. Mesmo o homem moderno, que sabe que Deus morreu, recusa-se a aceitar a vida. Substitui Deus pela eternidade, pelo futuro. Zaratustra quer trazer o homem de volta ao instante terreno, de volta à vida, por forma a superar o niilismo. E isso só será possível quando deixar de procurar substituir Deus. É a própria vida que nos leva a formar valores, escreve Nietzsche em O Crepúsculo dos Ídolos. A teoria do Eterno Retorno, a ideia mais radical da filosofia de Nietzsche, apresentada pela primeira vez explicitamente no Zaratustra, é condição essencial para a superação do niilismo, a relação afirmativa do homem com a vida. No fim do segundo livro, Zaratustra abandona os seus discípulos tornando-se ele mesmo discípulo. Zaratustra quer superar a crença na oposição de valores. A ideia do Eterno Retorno é a sua possibilidade de realizar uma filosofia trágica. Dois aspectos da doutrina do Eterno Retorno: 1) Doutrina Física/Cosmológica do Eterno Retorno: há um movimento circular do tempo e das coisas. Tudo volta a acontecer uma infinidade de vezes. Com a ideia de Eterno Retorno, nesta acepção cosmológica, Nietzsche insurge-se contra a noção de um momento inicial do tempo afirmando a sua infinitude. 2) Doutrina Ética do Eterno Retorno: a ética de Nietszche é uma ética imanente, diz respeito aos valores vitais (intensidade, força, potência) e não aos valores transcendentes e universais da moral (dever, Bem, Mal...). Nietzsche valoriza a vida vivida intensamente, vivida ao máximo das nossas capacidades. No sentido ético, a doutrina do Eterno Retorno diz respeito à vontade humana: Se em tudo o que quisermos fazer nos perguntarmos se queremos fazê-lo uma eternidade de vezes, isso será para nós o mais sólido centro de gravidade. Ou seja, tudo aquilo que quisermos, devemos querer que volte uma eternidade de vezes. Numa leitura do Zaratustra, este sentido ético deverá prevalecer sobre o sentido físico / cosmológico. Para Nietzsche é a Vontade de Poder que liberta o homem do niilismo passivo. O homem que é capaz de querer o eterno retorno de todas a coisas (das boas e das más) é o mais feliz dos homens, que já não vive atormentado pelo desespero do nada. Devemos, então, viver como se tudo voltasse eternamente. Assim, se cada momento voltar uma infinitude de vezes, devemos vivê-lo o mais intensamente e alegremente possível. Amar a vida com o máximo de intensidade é o que Nietzsche entende por Amor Fati. Conclusão Assim, a ideia de um Eterno Retorno cosmológico deve ser entendida como uma mera metáfora, uma mentira poética, tanto mais que é fugazmente referida por Nietzsche em A Gaia Ciência e rapidamente desaparece da sua obra. Esta mentira poética serve para pôr em cena o pensamento ético de Nietzsche, o Amor Fati. Afirmar éticamente o Eterno Retorno é dizer: foi assim que se passou, assim eu quis. * notas tiradas na conferência do prof. Roberto Machado na Flup. (4) comentários |