Via da Verdade

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segunda-feira, maio 12, 2003
 
“Rente à Fala” de Eugénio de Andrade, em Limiar dos Pássaros

Em “Rente à Fala”, Eugénio de Andrade parece querer dizer-nos que já não tem a capacidade de falar sobre a realidade. Perdeu a inocência - “perdera-me dessa música tão perto da fala (...) nós eramos o sorriso das crianças” - e as coisas deixaram de se mostrar nas palavras como, imaginamos, o faziam num tempo passado – “As metáforas da boca ensinam a morrer”. Já nada é rente à fala.
Apesar do poeta manter a esperança de que o real se reaproxime dele, da sua “casa” – “ver chegar o dia era tão bom” – reconhece que é no sentir – “o trabalho do olhar é sobre o corpo”- e não no falar, ou no dizer – “na boca outras manhãs hesitam em arder” – que esse reencontro é possível.
O encontro final do poeta consigo mesmo estará então na intimidade silenciosa e inefável – “tenho ainda de procurar a pedra próxima do silêncio onde dormir.”
Eugénio de Andrade é poeta, escreve, vive do que escreve e paradoxalmente parece dizer-nos que queria que morressem esses vazios das coisas que são as palavras – “sulcos abertos lábio a lábio” – parece dizer-nos que se pudesse escolheria a realidade à aparência sem realidade, a noite verdadeira à noite imperfeita – “a sombra desatada” – escolheria o silêncio à poesia.
Espero que não.