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quarta-feira, junho 04, 2003
 
Ficha de Leitura de “Language and Reality: An Introduction to the Philosophy of Language”
de Michael Devitt e Kim Sterelny, ed. Blackwell Publishers

Parte V; Capítulo 14 – Filosofia Primeira

Filosofia Naturalizada – A superação do problema dos universais

Os autores deste livro advogam um tipo de filosofia que não seja entendida como uma disciplina à priori, mas que esteja em continuação com a ciência. Uma filosofia naturalizada, portanto.
Devitte e Sterelny atribuem três papeis à filosofia:
- Servir de súmula aos conhecimentos dos ciências particulares.
- Interessar-se pelos problemas mais especulativos e conceptuais das ciências.
- Abordar áreas como a epistemologia, a lógica, a política, a ética, a estética, etc.

Uma abordagem naturalista da filosofia considera que certos problemas da filosofia tradicional não têm qualquer sentido, como por exemplo o problema dos universais.
A tradição filosófica identifica um universal como um atributo partilhado por vários particulares.
A crença num universal (por exemplo o universal vermelho) suscita algumas questões: O que é uim universal? Onde é que ele existe? Como se relacionam os particulares com os universais.

Um filósofo naturalista resolve este problema do seguinte modo: “Nada nos leva a dizer que existe algo como a vermelhidão. É suficiente dizer que existem coisas vermelhas.”
Qualquer resposta ao problema dos universais teria de vir da ciência (uma sensação neurológica partilhada por todos os seres humanos, uma molécula de cor vermelha, ou qualquer coisa do género). No entanto o filósofo naturalista não se contenta com uma explicação científica.

A favor de uma explicação científica em vez de uma explicação metafísica, o filósofo naturalista diz que, “não há mais nada para explicar (além daquilo que a ciência nos explica) e “não houve qualquer avanço metafísico desde Platão.” Tamanha incompetência da metafísica deverá levar-nos a concluir que os problemas metafísicos não são verdadeiramente problemas.
Para Devitt e Sterelny, a origem deste pseudo-problema está num mau uso da linguagem e numa incorrecata teoria do significado.
Os filósofos que incorrem neste pseudo-problema estão implicitamente comprometidos com uma teoris representacionalista do significado, que os autores chamam de “Teoria Fido-Fido”. Segundo esta teoria, o significado do nome “Fido” é o seu papel em nomear “Fido”.
No entanto, o erro está em se generalizar este exemplo em concreto (um nome nomeia uma pessoa ou um objecto) para todas as outras categorias de expressões linguísticas.
Por exemplo, a frase “Aquela rosa é vermelha” é composta por dois termos de categorias gramaticais diferentes (um termo singular, “Aquela rosa” e um termo geral, 2vermelha”). O que normalmente se passa é que os falantes de uma língua passam por cima destas diferenças essenciais e não vêm que dois tipos de termos nomeiam dois tipos de entidades. Esta confusão conceptual leva à crença, meio confusa, de que existe algo como “o vermelho”. A “Teoria Fido-Fido” é, como tal, falsa.
“O que nos confunde nas palavras é a sua aparente identidade quanto à forma, quando as ouvimos ditas ou as encontramos escritas ou impressas.” Investigações Filosóficas, prop. 11

A viragem para a linguagem - “The linguistic turn.”

Enquanto o filósofo naturalista aponta o dedo para a realidade, o filósofo linguísta discute o dedo.

A preocupação com a linguagem tornou-se, durante o século XX, primordial para a filosofia anglo-americana. Filósofos como Moore, Frege, Russell e Wittgenstein despertaram o interesse da filosófia pela linguagem, tomando esta (sobretudo para a filosofia analítica) o papel de Filosofia Primeira – Karl Otto Appel refere três paradigmas históricos da filosofia, ou seja, três temáticas principais da filosofia tradicional: o paradigma do ser, que ocupou a filosofia desde os Gregos até Descartes; o paradigma do conhecimento, em que se inscrevem Descartes, Kant, etc.; o paradigma da linguagem, que é o paradigma da filosofia actual.

Porquê esta viragem da filosofia para a linguagem?
Um dos factores preponderantes foi o descontentamento com os excessos metafísicos de grande parte da filosofía do século XIX. Uma maior atenção à linguagem impediria esses excessos.
Por outro lado, a filosofia não quis perder a carruagem da analiticidade e empiricidade das ciências.

Dentro do movimento do linguistic turn, os filósofos distinguiam-se pela maior ou menor importância que atribuiam à linguagem, sendo que alguns consideravam que a filosofia tenderia a diluir-se no estudo da linguagem.

Wittgenstein considerava que o estudo da linguagem acabaria por dissolver todos os problemas filosóficos – que na verdade não passavam de pseudo-problemas.
Para Wittgenstein a filosofia não se deverá preocupar com os problemas filosóficos genuinos da filosofia tradicional. Esses problemas, diz-nos wittgenstein surgem devido a confusões quanto ao uso das palavras.
Por isso a nossa investigação é uma investigação gramatical. E esta investigação ilumina o nosso problema por afastar uma possível má-compreensão. Uma má-compreensão que diz respeito o uso das palavras, provocada, entre outras coisas, por certas analogias entre formas de expressão em domínios diferentes da nossa linguagem. (Investigações Filosóficas – 90)

Aquilo que devemos fazer em filosofia é procurar libertarmo-nos destes problemas, prestando atenção à forma como usamos a linguagem. A filosofia não deverá procura ser uma sistematização de teorias e conhecimentos, mas antes um deixar cair dos problemas filosóficos tradicionais. Deverá ser uma cura, uma purificação do filósofo e não uma série de novos conhecimentos teóricos.

Os resultados da Filosofia são a descoberta da simples falta de sentido e das bolhas feitas pelo intelecto ao chocar com as fronteiras da linguagem. Elas, as bolhas, levam-nos a reconhecer o valor daquela descoberta.(I.F. – 119)

Umas das fontes principais da incompreensão reside no facto de não termos uma visão panorâmica do uso das nossas palavras. A nossa gramática não se deixa ver panoramicamente. (I.F. 122)

Um problema filosófico tem a seguinte forma: «Não me sei orientar» (I.F. 123)

Queremos impor uma ordem no nosso saber acerca do uso da linguagem, uma ordem para um certo fim uma de muitas ordens possíveis, não a ordem. (I.F. - 132)

Resumo

Os problemas filosóficos são pseudo-problemas que surgem devido ao mau uso da linguagem. O estudo da linguagem servirá para dissolver problemas e não para formular teorias.

Qual é a tua meta na Filosofia? Mostrar à mosca o caminho para sair do caça-moscas. (I.F. – 309)


Nota - Michael Devitt e Kim Sterelny não corroboram totalmente desta concepção wittgensteiniana de filosofia. Para eles a tarefa da filosofia é constructiva, apesar de haverem problemas filosóficos que são pseudo-problemas, como o problema dos universais, analisado atrás, que surge apenas devido a um “embruxamento” da linguagem.