Via da Verdade |
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domingo, junho 15, 2003
Leitura de Sobre o que há de W.V.Quine – as frases a negrito foram citadas na aula pela prof. Sofia Miguens. O problema ontológico é formulável de uma forma muito simples (O que é que há?) mas permite um desacordo total acerca dos casos. Ou seja, a esta pergunta podemos responder de um modo muito vago: Há tudo!; ou podemos responder de um modo pragmático: Com que é que uma teoria ontológica nos compromete? Afirmar que A e B diferem ontologicamente é afirmar que A defende que existe alguma coisa enquanto B defende que essa coisa não existe (ex. classes; números; mentes...) O problema do proponente do lado negativo num diferendo ontológivo (x não existe) é o velho enigma platónico do não ser. Como é possível falar do que não existe? O enigma platónico do não ser pode levar-nos (erradamente, segundo Quine) a reconhecer existência em casos em que poderíamos ficar satisfeitos reconhecendo que não há nada. (ex. “Falamos de Pégaso, logo Pégaso existe) Uma hipótese acerca da existência de Pégaso é considerar que esta é uma existência enquanto ideia e não a existência de um particular espacio-temporal. Para Quine essa não é uma boa solução: basta comparar Pégaso com o Parténon. O Parténon real espacio-temporal é diferente da ideia de Parténon. Uma alternativa, atribuída a Wyman, é a de considerar que Pégaso tem o seu ser como possível não realizado. Ou seja, ao afirmar “Pégaso não existe”, estamos apenas a afirmar que ele não tem o atributo particular de ser real. Wyman admite entidades possíveis, e faz uma distinção entre Existência e Subsistência. De acordo com a perspeciva de Wyman, aquilo que “há” inclui possíveis e entre esses possíveis existem os realizados e os não realizados. Assim, devemos dizer que coisas reais existem mas muito mais coisas subsistem sem terem o atributo de existência. Quine discorda da ontologia apresentada por Wyman. Quine basicamente acredita que num universo cheio de possíveis nem sequer é possível utilizar o conceito de identidade, e sem este conceito o nosso pensamento é impossível. Faríamos melhor se simplesmente limpássemos a amálgama de Wyman e nos livrássemos dela. Pg. 24 É este o principio metodológico da ontologia de Quine. Entre a “Barba de Platão” e a “Navalha de Ockam” Quine escolhe o minimalismo de Ockam, ou seja, a não proliferação de teorias e entidades desnecessárias. Quine vai buscar à Teoria das Descrições Definidas de Russell a solução para o problema do excesso ontológico. O mérito da solução de Russell consiste no facto de ela evitar o compromisso com a existência de entidades nomeadas (Pégaso, cúpula quadrada-redonda do Berkley College...) Russel mostrou como se pode usar nomes aparentes sem daí se supor que existam as entidades por ele nomeadas. Pg. 25 O passo de Russell para Quine: a carga da referência objectiva das linguagens é transferida dos nomes ou expressões descritivas para aquilo que os lógicos chamam de variáveis ligadas, ou de quantificação, que têm como análogo palavras como, algo, tudo, nada, e que são uma parte básica da linguagem, dotadas de sentido. Ou seja, algo pode fazer sentido (meaningfull) e não ter sentido (meaning). I.e. algo pode fazer sentido sem com isso implicar que as nossas variáveis tenham uma realização, um sentido. Não é portanto necessária uma referência objectiva para que um termo faça sentido. Ao contrário do que pensa o hipotético filósofo McX, para quem Pégaso tem de alguma forma de existir, para que a palavra tenha sentido. A proposta de Quine quanto a termos singulares é de que é sempre possível uma análise à maneira de Russell - ou seja: não é necessária uma referência objectiva para que um termo faça sentido. O problema mais difícil não são os termos singulares, mas os universais, que são mais resistentes a uma explicação nominalista. Mesmo assim, graças a Russell já não precisamos de ser vítimas da ilusão de que o facto de que uma frase declarativa com um termo singular ter sentido pressupõe uma entidade nomeada pelo termo. Não é necessário que um termo singular nomeie para ter sentido. Pg. 28 O problema dos universais é o seguinte: será que existem entidades, tais como classes, números, funções, relações ou atributos? Note-se que sem estas entidades não é possível o conhecimento cientifico do mundo natural. Posição nominalista de Quine acerca dos universais: Quine pensa que é possível admitir que há rosas vermelhas, maçãs vermelhas, casas vermelhas, etc., sem admitir que essas rosas, maçãs e casas tenham algo em comum que subsiste por si (a vermelhidade). Para Quine, o facto de rosas, maçãs e casas serem vermelhas é um facto último e irredutível. Isso poderia levar-nos a declarar que os universais são sentidos, mas Quine pensa que os sentidos não são uma perspectivação real da natureza. A base da recusa Quineana dos universais é precisamente a recusa dos sentidos. Isto não significa que Quine defenda que as palavras e as frases não têm sentido, significa apenas que Quine defende que não existem entidades abstractas a mais, paralelas ao comportamento linguístico dos seres humanos, que seriam os sentidos. Como vimos, existe um hiato entre ter sentido e nomear. Não é necessário que algo exista, ou seja nomeado (objecto ou conceito abstracto) para que uma palavra tenha sentido. O sentido de uma palavra não é o objecto nomeado. No exemplo de Quine, o hipotético filósofo McX insiste em atribuir ao sentido uma certa entidade abstracta. Quine defende que uma frase ou palavra pode ser significativa e não ter sentido (enquanto que se entenda por sentido uma qualquer entidade). (McX) confundiu o alegado objecto nomeado Pégaso com o sentido da palavra Pégaso, concluindo assim que Pégaso tem que existir para que a palavra tenha sentido. Pg. 29 A ontologia de uma pessoa é básica relativamente ao esquema conceptual através do qual ela interpreta todas as experiências, mesmo as mais vulgares. (...) Julgada noutro esquema conceptual, uma frase declarativa que é axiomática para o espírito de alguém que se inscreva nessa ontologia (há o universal vermelhidão) pode, com igual imediatez e trivialidade, ser declarado como falso. Pg. 30 Os argumentos de Quine, até ao momento, foram: 1) Como demonstrou Bertrand Russell na sua Teoria das Descrições Definidas, os termos singulares podem ter significado (no sentido de serem significantes e não no sentido de possuírem eles mesmos um significado) sem se pressupor que existam as entidades que esses termos têm o propósito de nomear. 2) Podemos usar termos gerais, sem ser preciso admitir que eles sejam nomes de entidades abstractas (universais). 3) Aquilo que normalmente se chama “dar sentido a uma elocução” consiste simplesmente em empregar um sinónimo. Ou seja, não é necessário aceitarmos um domínio de entidades chamadas sentidos. O problema dos universais, de nos comprometermos ou não nos comprometermos ontologicamente com as entidades abstractas que são os universais, é ultrapassado se na nossa teoria ontológica escolhermos comprometermo-nos com entidades (rosas vermelhas, maçãs vermelhas, casas vermelhas) mas não necessáriamente com entidades abstractas como a “vermelhidade”. O problema dos universais é ultrapassado quando escolhemos uma ontologia de entidades abstractas. Ou seja, consideramos que quando nos referimos a entidades abstractas, fazemo-lo porque essa é simplesmente a nossa maneira de falar. Uma teoria está comprometida com uma ontologia quando as variáveis dessa teoria se referem às entidades ontológicas de um modo tal que as afirmações feitas nessa teoria sejam verdadeiras. Muitos problemas filosóficos surgem devido a confusões acerca de qual o domínio de entidades às quais se deve permitir que as teorias se refiram. Os medievais tiveram três abordagens ao problema dos universais: a realista, a conceptualista e a nominalista. Abordagens que correspondem na filosofia do sec. XX, respectivamente à abordagem logicista, intuicionista e formalista. O realismo é a doutrina dos universais platónicos (entidades abstractas que subsistem independentemente da consciência). Doutrina a que no sec. XX corresponde o Logicismo de Frege, Russell e Carnap. O conceptualismo, da mesma forma que o intuicionismo actual, defende que há universais, mas que esses universais são produtos da nossa consciência. Os formalistas, como os antigos nominalistas, objectam de todo a admissão de entidades abstractas, mesmo que produzidas pela consciência. Ou seja, o género de ontologia que se adopta (realismo, conceptualismo, nominalismo, logicismo, intuicionismo, formalismo...) tem consequências nas teorias que caem debaixo do seu manto ontológico. Mas como é que se pode decidir entre ontologias rivais? Quando olhamos para uma teoria, que actua dentro de determinada ontologia, não procuramos saber o que é que há. Procuramos, antes, saber o que é que essa ontologia diz que há. Mas o que há, é outra questão. A discussão acerca do que há deve ser tratada, antes de mais, ao nível semântico, pois uma vez que eu adira à minha ontologia não posso autorizar que as minhas teorias se refiram a entidades que pertençam a outra ontologia e não há minha. Posso no entanto discutir o desacordo entre duas ontologias. Apesar de alguns desacordos básicos entre ontologias, há por vezes pontos de convergência em níveis mais superiores que possibilitam o diálogo. Enquanto for possível esclarecer linguisticamente ambas as posições ontológicas, o diálogo é desejável. Como tal, uma controvérsia ontológica deve tender para uma controvérsia acerca da linguagem. O que não quer dizer que o que há dependa de palavras, mas apenas que o que há é traduzível linguisticamente. Então o que é que há? Há aquilo que nos convém - em termos de simplicidade e operacionalidade – que haja. Segundo Quine (ver pg. 36) adoptamos uma ontologia da mesma forma que adoptamos uma teoria cientifica. Adoptamos o esquema conceptual mais simples no qual os fragmentos desordenados da experiência em estado bruto possam ser ajustados e ordenados. Quine chama a este método de adoptar uma ontologia, a “regra da simplicidade”. A “regra da simplicidade” é, segundo Quine, a nossa máxima condutora ao fazermos corresponder dados sensíveis e objectos. A seguir Quine apresenta-nos dois esquemas conceptuais (duas ontologias, portanto) distintas: o fisicalismo e o fenomenalismo. Qual dos dois deve permanecer? Cada um tem, à sua maneira, a sua simplicidade específica. Um é epistemologicamente fundamental (fenomenalismo) enquanto que o outro é fisicamente fundamental (fisicalismo). O fisicalismo é a tese de que o mundo real nada mais é que o mundo físico, como tal, simplifica a nossa explicação da experiência associando os inúmeros acontecimentos sensoriais a objectos únicos. O fisicalismo contemporâneo considera que a física é o questionário básico (o mais básico) acerca da natureza. Como tal a ontologia tem de se virar para a física. O fenomenalismo desenvolve a ideia segundo a qual os objectos são as possibilidades permanentes da percepção, e como tal não é de todo provável que cada frase acerca de objectos físicos possa ser traduzida na linguagem fenomenalista. Os objectos físicos unificam e simplificam a nossa explicação do fluxo da experiência. Quine procurou mostrar que alguns argumentos a favor de algumas ontologias são falaciosos. Além disso propôs um padrão um padrão explícito por meio do qual se decide quais os compromissos ontológicos de uma teoria. No entanto, a questão acerca da ontologia que se deve adoptar permanece em aberto. Devemos manter, quanto a esta questão, um espírito crítico, tolerante e experimental. É no entanto, diz-nos Quine, uma exigência natural seguir com a física. O que há, defende Quine, deve ser procurado pela física. Por outro lado, para aqueles que decidiram adoptar um ponto de vista fenomenalista, que exige prioridade epistemológica, as ontologias fisicalistas não passam de mitos. Todavia a qualidade do mito é relativa. Neste caso, relativa ao ponto de vista epistemológico, que é apenas um entre muitos, e ao qual corresponde um entre muitos dos nossos interesses e objectivos.
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