Via da Verdade

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domingo, junho 01, 2003
 
Leitura de “Wittgenstein”
de P.M.S.Hacker col. The Great Philosophers ed. Phoenix Paperback, Parte II

Nos Restantes capítulos do livro, Hacker demonstra como Wittgenstein procurou resolver alguns dos problemas tradicionais da filosofia.

No capítulo “Mente, corpo e comportamento: o poder da ilusão filosófica” é referida a forma como o dualismo cartesiano (a ideia de que o ser humano é constituido por duas substâncias distintas, mente e corpo) marcou significativamente toda a problemática filosófica das três centurias que se seguiram a Descartes. A desconstrução do Mito Cartesiano, que persiste subrepticiamente nos dias de hoje, tem de passar por uma análise cuidada de algumas características da nossa linguagem que ainda permanecem um pouco obscuras.

Nos capítulos “A posse privada da experiência” e “Privacidade Epistémica”, Hacker diz-nos que Wittgenstein considerava que a tendência da linguagem é, de uma forma gramaticalmente errada, procurar “apanhar” a essência das coisas, tanto no que toca aos objectos físicos, como em relação aos objectos mentais. Segundo Wittgenstein, a mente não é um palco, nem as ideias são protagonistas de uma peça que o sujeito, por introspecção, tem a capacidade de assistir.
Wittgenstein diz-nos que a palavra mente tem um significado, ou seja um uso, próprio na nossa linguagem. No entanto, importa clarificar esse uso que lhe damos, pois a ideia de um acesso directo e privilegiado aos nossos Estados Mentais não faz nenhum sentido.

O capítulo seguinte trata das diferença entre “Descrições e Expressões”. Segundo Wittgenstein, diz-nos Hacker, quando julgamos estar a descrever um estado interior, quando dizemos, eu penso que ou doi-me um dente, estamos simplesmente a manifestar (exprimir) linguísticamente o nosso comportamento natural, antecedente de qualquer jogo de linguagem.

Segundo esta concepção expressivista e naturalista de linguagem (por oposição à tradicional concepção descriptivista e cognitivista), as palavras estão ligadas à expressão primitiva da sensação e são usadas em seu lugar. “A expressão verbal substitui o choro, não o descreve.”

Ou seja, os nossos jogos de linguagem aprendidos, são antecedidos pelo nosso comportamento natural. As expressões verbais e as manifestações linguísticas surgem a partir dele.

Expressões como eu penso, ou eu acredito não são utilizadas (ao contrário do que normalmente se pensa) para descrever um estado interior que observamos dentro de nós, e que posteriormente comunicamos aos outros.
É este erro de concepção de um suposto acesso privilegiado ao nosso interior que nos leva a pensar que temos em relação aos outros um conhecimento apenas indirecto.
No fim do capítulo O interior e o exterior: o conhecimento dos outros, Haker cita uma frase de Wittgenstein nas Investigações Filosóficas que resume todo este capítulo: O corpo humano é a melhor imagem da alma humana .

Para Wittgenstein, os nossos conceitos de interior e exterior são metafóricos. Quando falamos, choramos ou gememos de dor, nós revelamos o nosso interior.
Ver alguém sofrer é saber directamente que essa pessoa sofre e a pessoa que sofre não tem conhecimento da dor (no sentido comum do termo conhecer), tem simplesmente dor.

Concebemos o interior e o exterior, o directo e o indirecto, porque interpretamos, erradamente, aquilo que vêmos como manifestações externas de eventos internos.
A ideia de que não apreendemos verdadeiramente (mas só de um modo indirecto) a alegria ou a tristeza na cara de alguém, está errada. Nós temos acesso directo à dor de outra pessoa porque ela nos manifesta essa dor. A pessoa que sente a dor também não “conhece” a dor que sente. Essa pessoa não nos descreve a sua dor, manifesta-nos a sua dor.
Ou seja, não faz sentido dizer que conhecemos os nossos estados interiores, no sentido comum em que conhecer é observar introespectivamente esses estados interiores de um ponto distante e privilegiado.

Como vimos, para Wittgenstein os nossos conceitos psicológicos estão logicamente ligados ao comportamento que o nosso interior manifesta. Mas como é que encontramos o significado das palavras?
No capítulo Mentes, corpos e comportamento, Hacker cita a proposição 357 da Investigações Filosóficas, onde se lê que quando se vê o comportamento de um ser vivo, vê-se a sua alma.Portanto, os predicados psicológicos são a extensão linguística do comportamento natural, da manifestação natural dos sentimentos e pensamentos.
Ou seja, nós não aprendemos as palavras identificando sentimentos ou ideias, como se de objectos interiores se tratassem, mas antes aprendemos as palavras através do seu uso enquanto extensões linguísticas do nosso comportamento natural.
Por exemplo: o significado de dor não é encontrado ao nomear um objecto interior, mas pelo uso de expressões que manifestam dor.

Wittgenstein rejeita a ideia de que as sensações, as percepções, os pensamentos, etc., têm de ser atribuidos ou a objectos físicos, ou a mentes ou almas.

O Mito Cartesiano persiste ainda hoje em discursos científicos que atribuem faculdades intelectuais a partes do corpo, nomeadamente ao cérebro.

Wittgesntein dir-nos-ia que o problema de saber se é ou não é o corpo que sente dor não é um problema empírico, mas antes um problema lógico ou conceptual. Nós não falamos de corpos que sofrem mas de pessoas que sofrem. E este modo de falar interfere com as nossas vidas. Este tipo de comportamento tem raizes pré-linguísticas em que se baseiam os jogos de linguagem.

Resumindo, não é o cérebro ou a mente que têm sentimentos, formulam questões, têm ideias, etc., mas antes o ser humano enquanto envolto num sofisticado comportamento linguístico.