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terça-feira, março 16, 2004
 
Representações Conceptuais

Publicado no número especial (5/6) do Volume 18 da revista Language and Cognitive Processes intitulado Conceptual Representation, este artigo de Lawrence W. Barsalou trata do problema da natureza do nosso sistema conceptual, de como chegamos a formular os nossos conceitos e da relação entre as representações conceptuais e o sistema sensorio-motor. Como é geralmente aceite, são os conceitos que nos permitem conhecer o mundo que nos rodeia, possibilitando as faculdades cognitivas básicas como a memória, a linguagem e o pensamento. A conclusão final deste artigo é que são as simulações perceptuais que representam os conceitos no nosso sistema conceptual.

Conforme escrevem os editores convidados James A. Hampton e Helen E. Moss no artigo de introdução a este número especial, Barsalou ataca aqui a posição tradicional de alguns neuropsicólogos e psicólogos cognitivos que defendem que as representações conceptuais são qualitativamente diferentes daquelas que são processadas dentro do sistema perceptivo-motor. Ou seja, segundo este ponto de vista tradicionalista, os conceitos são representações simbólicas "amodais", abstraidas das suas bases modulares perceptivas.

O que Barsalou nos diz é que existe um formato representacional comum aos processos conceptuais e sensorio-motores, fazendo ambos parte da sua descrição de simulações situadas, que são "dinâmicas, contexto-dependentes e conduzidas por objectivos".



Simulação Situada no sistema conceptual humano

Lawrence W. Barsalou

- deste artigo foi traduzido apenas a introdução e a conclusão.

Depois de muito resumidamente analisar as actuais teorias do sistema conceptual – memória semântica, modelos exemplares, redes de alimentação conectivas (feed-forward connectionist nets) e a teoria da simulação situada - este artigo explora a proposta de que as simulações situadas se encontram no âmago desse sistema. Em defesa deste ponto de vista evocaremos algumas provas empíricas.
Falando de uma maneira geral, um sistema conceptual contém conhecimentos acerca do mundo. Uma propriedade fundamental deste conhecimento é a sua natureza categorial. Um sistema conceptual não é uma colecção de imagens holísticas do género das que são captadas por um gravador vídeo ou áudio. Um sistema conceptual é uma colecção de conhecimentos categoriais, onde cada categoria representada corresponde a um componente de experiência – e não a uma experiência holística total.
Sempre que a atenção selectiva se concentra persistentemente em algum componente (ou componentes) da experiência, desenvolve-se o conhecimento de uma determinada categoria. De cada vez que se presta atenção a um componente, a informação extraída integra-se na memória com a anterior informação relativa a esse mesmo componente. Quando, por exemplo, a atenção se foca num padrão de cor azul, a informação extraída é armazenada junto com as anteriores memórias de azul, produzindo desse modo conhecimento categorial para esse componente. Com o tempo uma miríade de componentes acumulam memórias de um modo similar, incluindo objectos, acontecimentos, locais, datas, estados introspectivos, relações, propriedades e por aí em diante.
Certamente que a aprendizagem que produz o conhecimento categorial ocorre dentro de uma arquitectura limitada biologicamente e que, como tal, tem tendência a aprender algumas categorias mais facilmente do que outras. Além disso, algumas representações categoriais preliminares já existem antes mesmo do processo de aprendizagem começar. As contribuições da aprendizagem e da biologia não receberão aqui mais atenção. No entanto, é importante sublinhar que a interacção entre as duas é crucial para o desenvolvimento dos sistemas conceptuais.

O conhecimento categorial dos componentes da experiência desempenha um papel fundamental no sistema cognitivo, proporcionando suporte representacional para todos os processos cognitivos. Veja por exemplo o processamento online. À medida que as pessoas interagem com o ambiente e procuram atingir objectivos, o sistema conceptual actua de três formas. Em primeiro lugar, apoia a percepção, prevendo as entidades e os acontecimentos com probabilidades de serem percepcionados numa determinada cena, acelerando dessa forma o seu processamento. O sistema conceptual também ajuda a idealizar percepções através da antecipação, preenchimento de percepções e outros tipos de inferências perceptuais. Em segundo lugar, o sistema conceptual apoia a categorização. À medida que as entidades e os acontecimentos são apreendidos, o sistema conceptual atribui-lhes determinadas categorias. Em terceiro lugar, depois de lhes ser atribuída uma categoria, o conhecimento categorial possibilita que se façam valiosas inferências que constituem conhecimentos acerca do mundo. Em vez de começarem do zero no seu relacionamento com alguma coisa, os agentes beneficiam do conhecimento de categorias precedentes.
Para além de ser crucial para o processamento online do ambiente, o sistema conceptual é também crucial para o processamento offline na memória, na linguagem e no pensamento. Em cada uma destas tarefas é frequentemente muito importante que se processe uma situação não-presente, suprimindo-se a percepção do ambiente actual por forma facilitar o processamento da situação imaginada. Na memória é reconstruída uma situação passada. Na linguagem é representada uma situação passada ou futura, ou até mesmo uma situação impossível. No pensamento é analisada uma situação passada, futura ou irreal para ajudar uma tomada de decisão, a resolução de um problema, um planeamento, ou um raciocínio. Nestes três tipos de processamento offline o sistema conceptual desempenha um papel crucial. Na memória o sistema conceptual participa na codificação, na estrutura organizacional armazenada e no processo de reconstrução de inferências. Na linguagem o sistema conceptual contribui para os significados das palavras, das frases e dos textos, e para as inferências que os ultrapassam. No pensamento o sistema conceptual fornece representações dos objectos e dos acontecimentos que ocupam o raciocínio.
Finalmente, o sistema conceptual desempenha um terceiro papel crucial no processo de cognição. Para além de apoiar o processamento online e offline apoia também a construção produtiva de novos conceitos. O sistema conceptual não está limitado a representar apenas as entidades e os acontecimentos que o agente experimenta no mundo. Dado que o sistema conceptual estabelece conhecimento categorial acerca de componentes da experiência, pode também combinar esses componentes de novas maneiras, representando assim coisas nunca antes encontradas. Deste modo um agente pode combinar os diferentes conhecimentos categoriais às riscas e QUEDA DE ÁGUA de forma a representar a nova categoria QUEDA DE ÁGUA ÀS RISCAS. Devido a esta capacidade o sistema conceptual pode categorizar novas entidades durante o processamento online (por ex. uma queda de água às riscas), e pode representar estas novas entidades offline na linguagem e no pensamento. Este importante processo permite aos seres humanos imaginar situações não-presentes, aumentando assim as suas hipóteses de sobrevivência no panorama evolutivo.

- segue-se uma enumeração dos restantes tópicos do artigo até à conclusão.

Teorias do Sistema Conceptual
Memória semântica | Modelos exemplares | Redes de alimentação conectivas | Teoria da simulação situada

Provas a Favor da Teoria da Simulação Situada
Provas a favor de um sistema conceptual não-modular modal | Provas a favor das simulações situadas | Provas a favor das simulações dinâmicas | Provas a favor da organização em torno da relação acção – ambiente

Conclusões

Do trabalho aqui analisado seguem-se três conclusões gerais.
A primeira, de que o sistema conceptual desenvolve-se com o intuito de servir acções localizadas. No nível de organização mais amplo ergue-se uma importante classe de categorias que tem por objectivo tornar mais eficiente a relação acção – ambiente. Ao perseguir um objectivo, as categorias derivadas do objectivo fornecem mapeamentos a partir dos papéis que desempenham nas sequências de acção solicitadas pelo ambiente. Ao nível das categorias individuais, os simuladores produzem conceptualizações situadas que apoiam a consecução do objectivo. Cada conceptualização é um pacote de inferências que especifica propriedades contextualmente relevantes da categoria em causa, informações relativas a um provável cenário contextual, possíveis comportamentos a tomar e estados de introspecção que poderão surgir. Juntas, estas inferências produzem a experiência de “estar lá”, preparando o sujeito para uma determinada acção num determinado contexto.

A segunda conclusão diz-nos que estas conceptualizações situadas são distribuídas via simulações multi-modais. Enquanto que as inferências acerca dos objectos são distribuídas via sistemas sensoriais, as inferências acerca das acções são distribuídas via sistemas motor e sensoriomotor. Do mesmo modo, as inferências acerca dos estado introspectivos são distribuídas pela área límbica e pela área frontal que processam a emoção e o pensamento. Em vez de surgirem num sistema conceptual modular e amodal, estas representações surgem como simulações ou reconstituições em áreas do cérebro com funções específicas. Como resultado disso, cada tipo de inferência é representada numa linguagem de representação diferente.

A terceira conclusão diz-nos que um conceito é um sistema dinâmico. Um determinado simulador pode construir um número infinitamente grande de simulações específicas que representem a sua respectiva categoria. Em vez de ser uma representação fixa, um conceito é uma habilidade para adaptar representações às limitações das acções particulares. Como uma categoria pode adquirir diferentes formas, ser encontrada numa enorme variedade de cenários e servir muitos objectivos, uma representação fixa nunca seria a solução ideal. Uma só representação nunca conseguiria atender tão bem a todas estas diferentes situações. A melhor solução é mesmo ter um simulador que faça por medida conceptualizações para cada situação particular.

O nosso ponto de vista acerca do sistema conceptual afecta o modo como pensamos o resto do processo cognitivo. É muito difícil, se não mesmo impossível, pensar o sistema cognitivo sem nos comprometermos com uma teoria dos conceitos em particular. Como vimos no início, as representações no sistema conceptual subjazem todas as formas de actividade cognitiva, incluindo a percepção, a memória imediata, a memória a longo prazo, a linguagem e o pensamento.
O nosso ponto de vista acerca do sistema conceptual influencia as nossas teorias sobre todas estas actividades. Encarar as representações conceptuais como simulações permite-nos uma nova abordagem sobre processos cognitivos básicos. Como o demonstram investigações recentes, ter em consideração a possibilidade da simulação estimula novas hipóteses que a investigação futura pode explorar. Na pior das hipóteses, a teoria das situações simuladas tem a vantagem de levar as pessoas a pesquisar e a pensar sobre a natureza do sistema conceptual humano, à medida que este campo evolui na direcção de teorias cada vez mais sofisticadas.

Lawrence W. Barsalou
Tradução de Tomás Magalhães Carneiro