Via da Verdade

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segunda-feira, maio 17, 2004
 
Diálogos entre um neurobiólogo e um filósofo IV

Nas Origens da Moral


Jean-Pierre Changeux - As implicações da teoria da evolução natural no que respeita aos sistemas de crenças e de ética são imensas.
Afigura-se plausível que a evoluçãp genética extremamente rápida dos antepassados do homem tenha utilizado elementos da vida social, linguagem, condutas "morais, etc., que depois agiram em retorno sobre ela.

Paul Ricouer - Todas as questões referentes à disposição natural para a moralidade são questõers retrospectivas, procurando o normativo em causa para trás de si mesmo.


Jean-Pierre Changeux - Qual é o problema do olhar retrospectivo do biólogo? As hipóteses científicas estão submetidas a um constante veredicto dos factos e às críticas permanentes da comunidade científica (sempre sem piedade!). (...)
Ainda segundo Darwin os instintos estão na base da moral. A evolução moral substitui, assim a evolução biológica. Mesmo as conductas altruístas podem não ser contra natura. Podem ir no sentido da natureza.

Paul Ricouer - É, mais uma vez, retrospectivamente, partindo da moralidade constituida, que analisamos a moralidade.

Jean-Pierre Changeux - Certos comportamentos altruístas animais parecem indicar que a regra de ouro ética já existe neles de forma embrionária, sem formulação linguística.

Paul Ricouer - É sempre a partir de uma posição humana que interpretamos os comportamentos animais. Mais uma vez acredita-se no olhar retrospectivo. O sentido moral que encontramos na natureza depende do sentido que lhe queremos dar. Desligada do nosso questionamento moral, a natureza não vai em nenhum sentido.


Jean-Pierre Changeux - Este olhar retrospectivo parace-me indispensável em qualquer método científico. Importa reconhecer "o que é" antes de se formular a questão das origens.

As primeiras estruturas da moralidade


Jean-Pierre Changeux - O português António Damásio avançou com a hipótese de um mecanismo natural, a que chamou de marcador somático que consiste numa emoção agradável ou desagradável a quando da projecção interior das consequências esperadas da diversas opções possíveis. (...) Uma das estratégias da ética é adiar a satisfação de um desejo, em favor de um benefício futuro. As investigações de Damásio sugerem ainda que a avaliação implícita precede o raciocínio explícito -
e é lícito perguntar se não será este o caso a quando de tomadas de posição de alcance ético.

Paul Ricouer - Permito-me observar, nesta fase, que sabemos muito mais pela reflexão dos moralistas, pela literatura, pelo romance, do que pelas neurociências.
Há ainda o problema dos métodos de investigação usados pelas neurociências, que analisam doentes e casos patológicos, como lesões cerebrais. Canguilhem sugeriu que nestes casos não se trata de um défice mas de uma reconstrução, pelo que há que ter isso em conta.
O termo marcador somático é um termo híbrido que tanto significa interioridade psíquica como interioridade neuronal.

Da história biológica à história cultural: a valorização do indivíduo

Paul Ricouer - O problema fulcral da moralidade é o seguinte: é a partir de uma posição moral admitida que partimos à procura dos seus antecedentes biológicos.

Jean-Pierre Changeux - Da mesma forma que, por exemplo, a linguagem (ver artigo sobre Chomsky na Via da Verdade - 3ª Feira, 17 de Junho de 2003), o nosso cérebro teria capacidade de inovação ética, de selecção e de transmissão das normas da vida moral.

Paul Ricouer - A pluralidade e adiscórdia parece representar um dado insuparável da nossa condição humana. A história cultural não é um prolongamento da história biológica que, na opinião de Stephan Jay Gould, terminou há 100 000 anos. Como incorporar este fenómeno na sua perspectiva neuronal?

Jean-Pierre Changeux - Para isso há que desenvolver uma fisiologia da marca cultural.

in O que nos faz pensar? Jean-Pierre Changeux e Paul Ricouer, ed 70

(continua...)