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quarta-feira, maio 12, 2004
Pragmatismo - Hilary Putnam No dia 11 deste mês esteve na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a convite da Professora Sofia Miguens, do Departamento de Filosofia desta faculdade, Hilary Putnam (lê-se Pótnam), Professor Emérito da Universidade de Harvard e, neste momento, Professor Visitante na nossa vizinha Universidade de Santiago de Compostela. Hilary Putnam está para a filosofia como Ronaldo ou Maradona estão para o futebol, pelo que não é de estranhar a grande afluência que a sua conferência teve (umas 30 pessoas, que em filosofia em Portugal, corresponde a um estádio cheio). Putnam veio ao Porto falar de Pragmatismo, corrente filosófica da qual se tem aproximado e que engloba nomes como Peirce, William James e J. Dewey. Putnam destacou a posição única deste movimento em relação a outras três grandes correntes filosóficas: o naturalismo, a tradição aristotélica e o existencialismo. Falou ainda, embora sucintamente, de duas das suas propostas teóricas mais arrojadas em filosofia da mente e da linguagem: o funcionalismo e o externalismo semântico, respectivamente. Sendo considerado por muitos um filósofo analítico, Hilary Putnam prefere, no entanto, afastar-se do rumo que esta corrente anglo-americana da filosofia tem tomado actualmente, ignorando sobranceiramente a cultura, as artes e a própria história da filosofia. Como se lê no folheto de apresentação da conferência: Putnam prefere a definição de Stanley Cavell, seu colega em Harvard: a filosofia é educação dos adultos, daquilo que num adulto participante numa cultura é ainda educável, aberto e que tem a ver com a sensibilidade à vida teórica. Naturalismo - Introduzido pela primeira vez pelo filósofo americano J. Dewey, o termo naturalismo não tinha, então, a significação que tem hoje, materialismo, querendo antes designar uma filosofia anti-supernaturalista, ou seja, anti-metafísica (conforme se desenhava a metafísica da altura, demasiado idealista e abstraída da realidade concreta). Segundo a posição naturalista original, as características fundamentais do mundo são físicas e não psicológicas ou sociais, que são características supervenientes. Assim, um pensador que procure os princípios básicos do mundo deverá estudar física, como aliás o fizeram os grandes metafísicos de outrora (Descartes, Leibniz, Kant...). Hoje em dia, segundo Hilary Putnam, nada disso se passa, e é com assombro que se assiste à feudalização de alguns grupúsculos filósoficos que insistem em ignorar o discurso, os métodos e as descobertas cientificas. Tradição Aristotélica - Para Aristóteles as activades perceptivas são realizações mentais de estados de matéria. Dewey seria, então, um aristotélico naturalizado, ou seja, um naturalista sem a "bagagem" metafísica do aristotelismo. Segundo Putnam, os princípios físicos (os pretensos primeiros princípios dos naturalistas não servem para explicar os níveis de intelectualidade mais elevados. A mecânica quântica não serve para explicar a Crítica da Razão Pura de Kant. Para um pragmatista a realidade tem mais do que um nível explicativo, ou seja, a física não tem a última palavra sobre a classificaçâo do mundo. sobre a ética, por exemplo, a literatura e a arte têm muito mais a dizer do que a neurobiologia. Putnam cita neste sentido William James: "Sou um realista natural. Não existem verdades sem um interesse particular." O aspecto anti-aristotélico do prgmatismo não é apenas a sua rejeição das essências, mas também a rejeição da ideia de uma origem à priori do conhecimento. Existencialismo - A corrente existencialista que começou a ser esboçada por Nietzsche procura oferecer um diagnóstico e uma cura para a miséria da vida humana. Dependendo dos autores, esta cura é em Nietzsche a Vontade de Poder, a necessidade de se viver intensamente cada momento (Amor Fati), com Kierkegäard uma relação mais autêntica com Deus, e com Heidegger uma vida mais autêntica. Para um pragmatista, o existencialismo é uma corrente filosófica que fica muito aquém daquilo que se propõe: resolver os problemas existenciais do homem. Qualquer leitor de Nietzsche (Nietzsche não será propriamente um autor da corrente existencialista, mas está sem dúvida alguma na sua origem), mesmo o mais avisado quanto ao sentido metafórico das suas obras, sabe que este não teve, de modo algum, em conta as consequências sociais daquilo que escreveu. A procura de uma conexão existencialista com os fundamentos terá conduzido Heidegger a uma filosofia política e a uma filosofia da história desastrosas. Já um pragmatista não quer para si o papel de profeta, recusando-se aceitar que existe apenas um problema para os homens e uma única solução. O existencialismo, diz-nos Putnam, não é um sem sentido, mas não responde às perguntas que coloca. Qual deve ser então, para um pragmatista, o método da filosofia? A filosofia deve, antes de tudo, acentar em factos. Os seus métodos devem derivar da experiência e não de uma qualquer dor de alma existencial subjectiva. Hilary Putnam pareceu-me ser (embora não o tenha dito) contra a ideia de uma filosofia criadora, como preconizava Nietzsche ou Bergson. A filosofia deve partir do mundo, deve ser reactiva e não activa, para usar os termos nitzscheanos. A visão pragmatista da filosofia recusa qualquer primazia do teórico à priori favorecendo o experimentalismo, mas constatando que existem vários níveis explicativos, diversos sentidos. Segundo Putnam, onde o materialismo hodierno peca é em não compreender que a explicação não se dá nos níveis mais básicos (onde a experiência pode incidir) mas nos níveis mais elevados da realidade. É ao afirmar que não é possível reduzir a semântica (nível elevado) a estados físicos (nível baixo) que Putnam se afasta da doutrina Verificacionita (ver Via da Verdade - Sábado, Junho 14, 2003) típica dos pragmatistas. Para estes a experiência é o critério último de verdade. Ou seja, algo só tem significado quando pode ser experimentalmente verificado. Quando a experiência confirma a teoria há verdade, quando a experiência não é possível não há significado. Quanto ao papel da filosofia, esta deve ser uma crítica da crítica, uma "educação para adultos". Não deve ignorar os problemas existenciais inerentes à condição humana, mas deve tratá-los de uma forma responsável
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