Via da Verdade

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terça-feira, junho 14, 2005
 
António Damásio sobre as Emoções

Damásio começa por distinguir sentimentos, estados internos e privados, de emoções que são estados dirigidos para o exterior e públicos. Para Damásio sentimentos e emoções são dois estados distintos do organismo, e dá-nos como exemplo um caso de um paciente seu que sentia dores fortíssimas mas que não tinha os estados emocionais que normalmente correspondem a um sentimento de dor. Sentia-se estranhamente bem, apesar das dores.Quanto à visão predominante que durante o século XX separou emoção e razão Damásio considera que está definitivamente ultrapassada. A perspectiva evolucionista que percorre as ciências da mente diz-nos que o nosso sistema emocional surgiu antes do nosso sistema cognitivo consciente estando ambos intrincadamente ocupados em tarefas que permitam a sobrevivência do organismo. Os processos de raciocínio e tomada de decisão que constituem aquilo a que chamamos racionalidade não seriam possíveis sem a componente emocional: ?a emoção faz parte integrante dos processos de raciocínio e tomada de decisão.? (p. 61)Vimos então que as emoções subjazem àquilo que entendemos por racionalidade. Porém, donde surgem essas emoções? Qual o seu substrato? Segundo Damásio esse substrato é composto por mecanismos biológicos básicos, muito simples e que não dependem da consciência. Ou seja, na origem das emoções estão mecanismos biofísicos sem conteúdo mental que permitem que o organismo desenvolva de uma forma não consciente comportamentos que respondem de determinada maneira a estímulos exteriores e interiores e que preparam o organismo para a acção. A este processo biológico Damásio dá o nome de ?desencadear não consciente das emoções?.
O que são, então, as emoções e para que servem?De um modo muito sucinto, para Damásio emoções são processos biologicamente determinados (padrões químicos e neurais) cuja finalidade é ajudar o organismo a manter a vida. Processos biológicos esses que foram sendo moldados ao longo de muitos anos pela selecção natural. Para Damásio a função biológica das emoções é dupla: por um lado produz ?uma reacção específica para a situação indutora? e por outro regula o estado interno do organismo com vista a essa reacção específica. Ou seja, as emoções são a forma que a natureza encontrou para proporcionar aos organismos comportamentos rápidos e eficazes orientados para a sua sobrevivência. Podemos então dizer que, segundo Damásio, as emoções se encontram num patamar intermédio no sistema cognitivo humano: um degrau acima de sistema biofísicos ?cegos? como os reflexos, o sistema de regulação metabólica e as emoções de fundo como a dor e o prazer, assim como impulsos e motivações (ver Motivation by Peter Shizgal), e um degrau abaixo dos comportamentos conscientes e estados mentais cognitivos que caracterizam aquilo que entendemos por racionalidade. Conforme fica bem ilustrado no gráfico apresentado na página 76 deste livro, tanto os degraus superiores (estados conscientes do organismo) como os degraus inferiores (processos biofísicos do organismo) interagem uns com os outros através das emoções. Uma explicação evolucionista para este facto diz-nos que a forma como os nossos antepassados agiam e reagiam com os estímulos provenientes do seu meio ambiente foi-se padronizando sob a forma de sentimentos e emoções, primeiramente não conscientes, que se mostraram úteis para as tomadas de decisão do organismo, poupando-lhe tempo e energia. Da mesma forma que as emoções, também a consciência evoluiu como um equipamento de sobrevivência do organismo. Esta evolução em degraus, de estímulos cegos a sentimentos e emoções não consciente e, finalmente, a emoções e processos cognitivos conscientes e complexos indicam que, ?de uma forma ou de outra, a maior parte dos objectos e das situações conduzem a alguma reacção emocional?, que nenhuma experiência consciente é emocionalmente neutra ou, se quisermos, racionalmente pura. Esta razão purificada de elementos não racionais (o cocheiro que controla os cavalos, na metáfora platónica) teria o importante papel de impedir a ?tirania das emoções?. No entanto, diz-nos Damásio, ?os motores da razão também requerem emoção, o que significa que o poder da razão é por vezes bem modesto?. (p. 80)Fica então a pergunta: quão modesta é a nossa razão?

Bibliografia

O Sentimento de Si - António Damásio