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domingo, outubro 16, 2005
 

Blackburn, Hume e Kant sobre os fundamentos do agir moral + Apêndice sobre a possibilidade de sermos eticamente imparciais.

Nos capítulos 7 e 8 de Rulling Passions, Simon Blackburn procede a uma investigação da nossa natureza enquanto seres deliberadores, contrastando os modelos sentimentalistas (de inspiração humeana) e racionalistas (de inspiração kanteana) de tomadas de decisão, argumentando em favor dos modelos sentimentalistas.

De acordo com David Hume (e também Adam Smith), os nossos sentimentos morais são uma forma de coordenarmos as nossas acções com o resto da sociedade. Essa coordenação é conseguida através de diversas pressões sociais, que nos levam a comportarmo-nos e a educarmos os nossos filhos de um modo cultural e socialmente [logo moralmente] correcto. Um dos grandes objectivos da educação é, segundo Hume, fazer como que o coração se rebele contra aquilo que é considerado uma iniquidade.

Ou seja, para Hume o fundamento do nosso agir moral não é Deus, ou a Razão, mas a nossa capacidade e vontade de tomarmos o ponto de vista comum.
De facto a procura, por parte de muitos filósofos e moralistas, de um fundamento universal para a moral não foi mais que uma forma de evitar o relativismo ético a que posições como a de Hume e Smith conduzem.

É por de mais sabido que Kant procurou esse fundamento último do agir moral na Razão. Para ele a voz da moral confunde-se com a voz da razão, ou seja, a apreensão racional da lei moral tinha carácter absoluto e obrigatório. Por outras palavras as normas da razão subjazem às normas da ética. Este tipo de moral (deontológica) proposta por Kant está associada a uma metafísica do agente racional em particular, metafísica essa que, como veremos mais à frente, Blackburn rejeita.
Para fundamentar o agir moral na razão, Kant afirma que a acção moral deve seguir uma máxima (uma razão da acção) que se possa tornar uma lei universal. Esta é apenas uma das formulações possíveis do Imperativo Categórico de Kant, a base da ética deontológica de Kant.

O problema deste Imperativo, ou do agir segundo uma máxima ou regra, é que não há nenhuma acção, máxima ou regra que se possa tornar universal no campo do agir moral. Por exemplo, a proibição de mentir, pode por vezes ser a acção moral correcta, mas esta proibição nunca pode ser absoluta, como se verifica quando alguém mente para não revelar ao louco com o machado nas mãos onde escondeu os seus filhos.

Ou seja, pelo facto de uma pessoa ter determinados princípios e considerar certos deveres como moralmente correctos (não mentir, por exemplo), não quer dizer que essa pessoa tenha de deixar de pensar sempre que embate num desses princípios e deveres. Vários princípios e deveres entram em confronto entre si. Por vezes escolhemos seguir uns, por vezes outros.

Apêndice- Será possível ser eticamente imparcial.

Se formos kanteanos e considerarmos que o nosso agir ético é fundado na Razão, nesse caso deveria ser possível ser-se eticamente imparcial, uma vez que o agir moral seria acessível a qualquer ser humano detentor de uma capacidade de raciocínio normal. No entanto Blackburn afirma (seguindo a posição humeana) que aquilo que consideramos moralmente correcto está intimamente ligado ao meio socio-cultural que nos envolve; as relações de amizade, família, respeito e honradez que mantemos uns com os outros faz com que tenhamos valores diferentes uns dos outros. Ora, esse facto afecta a nossa imparcialidade ética, uma vez que o nosso comportamento moral é moldado pelo valor que achamos que devemos atribuir a cada um dos outros. Tendo em conta a origem socio-cultural dos valores morais é extremamente difícil, se não mesmo impossível, ser eticamente imparcial. A moral é por natureza parcial, como tal julgo que é mesmo pertinente perguntar se é moral ser-se eticamente imparcial?

Hume e Kant acreditam ambos na existência de pressões sociais para agirmos moralmente, apenas discordam na origem dessa pressão: os sentimentos para Hume, a razão para Kant [1]. Para Hume é a nossa natureza sentimental que nos empurra para a prossecução do bem comum. Na verdade as nossas emoções (ou sentimentos) tanto podem determinar um comportamento ético como não ético. É necessária uma ordem social específica para estabelecer uma harmonia entre a rectidão e o sucesso. A moralidade é, de facto, uma conquista social.

[nota 1 - Na verdade, não só o pensar moral, mas todos os materiais do pensamento em geral são derivados da sensibilidade ? Toda a ideia é copiada de alguma impressão ou sentimento anterior (Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, pg 78; ed. 70)].


Comments:
interessante... bastante interessante... interessante até de mais ...

parabens
 
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