Via da Verdade

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sexta-feira, outubro 14, 2005
 
O cognitivismo de Jon Elster , emoções e racionalidade

Falar de fenómenos tão diferentes como são as diferentes reacções emocionais, agrupando-as num conceito unificador como é o de Emoção é um modo conveniente de organizar o nosso discurso. No entanto, o uso desse rótulo (comportamento emocional) não nos deve levar a pensar que todo o comportamento emocional é levado a cabo por somente um sistema do cérebro, nem nos deve ocultar que por detrás desse rótulo está uma miríade de eventos físicos e mentais. Ou seja, para determinados propósitos pode ser útil falar de emoções como um todo, para outros propósitos as diferentes emoções devem ser tratadas como fenómenos distintos.

Uma disputa comum em filosofia das emoções é a de saber se uma emoção tem necessariamente um antecedente cognitivo e, além disso, se é ou não um estado intencional. De um dos lados da disputa encontram-se os cognitivistas para quem um estado que não tenha um antecedente cognitivo nem seja um estado intencional, não se qualifica como uma emoção. No seu livro, The Alchemies of the Mind, Jon Elster não nega que algumas emoções, como o medo e a raiva, não têm antecedentes cognitivos. Ou seja, não nega que uma cognição não é necessariamente uma condição de todas as emoções, e neste sentido Elster podia ser classificado como um não cognitivista. No entanto, afirma que as emoções que verdadeiramente importam para uma abordagem filosófica das emoções são as emoções comuns, aquelas com que nos deparamos no quotidiano e, para essas, é de facto necessário um antecedente cognitivo. Pelo que Elster é, na verdade, um cognitivista quanto às emoções.

Neste seu livro Elster diz-nos que se preocupa sobretudo com as consequências (filosóficas) das emoções e não tanto com a sua origem (neuro-físico-químico-socio-antropo-cultural). Como tal, passa por cima do problema de saber o que é que se entende em concreto por uma emoção (para Elster ainda não há unanimidade quanto aquilo que é uma emoção) e parte da definição comum de emoção. Segundo esta definição comum, uma emoção não é despoletada por um evento ou estado de coisas, mas antes por uma crença num evento ou estado de coisas. Isto é, uma crença é mediadora de um evento e de uma emoção.
Neste sentido poderemos falar de emoções racionais e irracionais. Ou seja, se uma crença é irracional se não for bem fundamentada, uma emoção mediada por uma crença irracional é, também ela, irracional.

No que diz respeito à relação entre as emoções e a racionalidade, Elster identifica três grandes questões:

1) Qual o impacto das emoções na racionalidade das tomadas de decisão e na formação das crenças? ;
2) Até que ponto as emoções são racionais? ;
3) Podemos influenciar racionalmente as nossas emoções e as dos outros?

Por agora interessa-nos apenas a primeira questão.


1) Quanto ao impacto das emoções na racionalidade humana, o ponto de vista actual é contrário à tradição que opunha emoções e razão. Actualmente as emoções são tidas como essenciais para o processo racional.
Para saber de que modo as emoções possibilitam e adulteram os processos de tomada de decisão racional, em primeiro lugar é preciso clarificar o que é que se entende por uma acção racional e, por outro lado, como e quando é que uma acção não é racional.

Elster entende por acção racional aquela que:

a) dadas as crenças e os desejos do agente, a acção escolhida é a melhor;
b) dada a informação disponível para o agente, as suas crenças são as melhores crenças;
c) dados os desejos do agente e as suas crenças quanto aos custos-benefícios da informação que detém os recursos utilizados para a obtenção de informação são os melhores.

Consequentemente, uma acção não é racional por indeterminação (c, não se aplica) ou por irracionalidade (a e b não se aplicam), e as emoções podem desempenhar um papel subversivo na racionalidade da acção, tanto na formação de crenças como na aquisição de informação.
As emoções podem afectar a escolha racional de diversas formas: por enviesamento de probabilidades e credibilidade; aumentando as nossas crenças em acontecimentos improváveis; causando comportamentos irracionais (raiva, medos, fobias, etc.); omitindo as consequências das nossas acções; promovendo um desinteresse geral na procura de mais informação relevante; etc.

Elster partilha as opiniões de Ronald de Sousa e António Damásio que defendem que uma pessoa sem o seu aparato emocional a funcionar devidamente não chegaria sequer a tomar uma decisão racional ou irracional. Para estes dois autores as emoções estão causalmente envolvidas no processo de tomada de decisão racional, ajudando-nos a escolher entre duas opções com o mesmo valor, ajudando-nos a superar a nossa endémica falta de razões para agir optimamente informadas, poupam-nos o tempo que gastaríamos desnecessariamente a procurar essas informações. Resumindo, e citando de Sousa, o papel das emoções é suprir a insuficiência das razões.

No prefácio a este livro Elster anunciou que o seu objectivo é o de procurar compreender o papel desempenhado pelas emoções na vida mental e na geração do comportamento. Porém, se por um lado concorda com Damásio quando este diz que uma redução das emoções constitui uma importante fonte de comportamento irracional, para Jon Elster o que explica o facto de nós tomarmos uma decisão em vez de outra não é o facto de sentirmos uma emoção (enquanto estado físico) positiva ou negativa. A explicação do comportamento está ao nível das razões e não das causas. Ou seja, ao nível de atitudes proposicionais como as crenças e os desejos (pg 297). Julgo que neste ponto podemos ver a mesma defesa de uma irredutibilidade do psicológico ao físico que encontramos em Donald Davidson (no sentido em que os nossos conceitos físicos não têm profundidade suficiente para explicar os nossos conceitos psicológicos.

Nota 1: No seu artigo Psychology of Philosophy Davidson defende que conceitos como referência, significação e condições de verdade são conceitos intencionais e semânticos que, como tal, não tên lugar numa teoria cìêntifica. Os eventos mentais pertencem ao mundi físico, no entanto nós é que não conseguimos compreender como. Para Davidson não temos acesso aos cont~eúdos mentais a não ser através de um processo de interpretação (as razões de que fala Elster). Não podemos atribuir pensamentos a nós mesmos fora de uma comunidade de intérpretes e locutores. Só o podemos fazer quando estamos em posição de interpretar alguém.

Nota 2: Também para Quine uma descrição psicológica passa por cima da complexidade neuronal referindo-se a um sintoma (um efeito) em vez de a um mecanismo neuronal (uma causa).

Bibliografia

The Alchemies of the Mind - Jon Elster
Essays on Actions and Events - Donald Davidson
Introdução à Filosofia do Espírito - Pascal Engel
A Companion to the Philosophy of Mind - Samuel Guttenplan