Via da Verdade

Blog Português de Filosofia & Literatura mail: tiomas@yahoo.com

This page is powered by Blogger. Isn't yours?
quarta-feira, maio 28, 2003
 
Leitura de “Wittgenstein
de P.M.S.Hacker col. The Great Philosophers ed. Phoenix Paperback, Parte I

- A Concepção de Filosofia de Wittgenstein

Tradicionalmente sempre se pensou a filosofia como uma disciplina preocupada com a busca da verdade. A filosofia deveria ter um objecto de estudo como as ciências:
Platão dizia que a filosofia se deveria estudar as Formas, ou Ideias, que seriam a verdadeira natureza de todas as coisas.
Para Aristóteles a filosofia deveria existir em continuidade com as ciências. O seu papel era o de investigar os principios fundamentais de cada ciência e da razão em geral.
Já Descartes afirmava que era a filosofia que devia construir os fundamentos do conhecimento a partir de verdades seguras e indubitáveis.
Para os empiristas britânicos a filosofia devia ser uma investigação sobre a origem das nossas ideias e sobre a extensão do conhecimento humano.
A revolução de Kant consistiu em afirmar que o papel da filosofia deveria ser o de revelar as condiçõs de possibilidade da experiência. Condições essas que seriam inatas, logo independentes da experiência.

Todas estas concepções filosóficas tradicionais viam a filosofia como uma disciplina cognitiva que deveria aumentar o conhecimento humano.
Nesta sua tarefa de aumentar o conhecimento (pelo menos segundo o modelo das ciências) a filosofia falhou. “Não há nenhum cânon consensual do conhecimento filosófico.”

Porque motivo é que a filosofia nunca foi capaz de fornecer um campo de conhecimento filosófico certificado?
O método de análise de Wittgenstein era o de “ir directamente aos fundamentos”. Como tal Wittgenstein negou que a filosofia fosse uma disciplina cognitiva, onde havia descoberta de conhecimento, construção de teorias apoiadas em verdades sólidas.
Segundo Wittgenstei a filosofia não progrediu um milímetro desde Platão: “Será que isso se deve à inteligência de Platão? – ironiza Wittgenstein.
Não, a razão porque a filosofia não avançou um milímetro desde os gregos, o motivo porque ainda nos afligem os mesmo problemas que afligiam Parménides, Heraclito, Platão e Aristóteles e para os quais ainda não encontramos respostas é que a nossa linguagem permanece a mesma, colocando-nos sempre as mesmas perguntas.
Segundo wittgenstein, enquanto se tentar responder às perguntas acerca do “ser”, como quem tenta responder a algo acerca do “comer” ou do “andar”, ou seja, enquanto a filosofia continuar a tentar responder às perguntas filosóficas de um modo essencialista (como se o “ser” fosse uma coisa, a “alma” uma espécie de receptáculo interior, etc.), enquanto a filosofia continuar a procurar uma verdade última das coisas, enquanto isso acontecer permanecerá o “espanto filosófico”.

Por exemplo, para Wittgenstein não faz nenhum sentido falar da existência, ou do ser por si só, como fez Heidegger. Os problemas filosóficos surgem devido ao mau uso da linguagem. Existem semelhanças gramaticais (palavras) que escondem profundas diferenças lógicas, como tal, muitas vezes fazemos perguntas que fazem sentido para uma certa categoria de coisas (ou jogos de linguagem), mas que para outras não têm sentido nenhum.

Muitas vezes as perguntas filosóficas não procuram uma resposta mas um sentido. É nisto que o discurso filosófico é diferente dos discursos científicos.

A tarefa da filosofia será então a de resolver ou dissolver os problemas filosóficos através da clarificação da linguagem, separando o que faz sentido do que não faz sentido.

As explicações filosóficas não derivam causalmente das leis e condições iniciais, como as explicações científicas, como tal, não existem explicações em filosofia além das descrições do uso das palavras.
É aqui que entra o conceito wittgensteiniano de jogo de linguagem, que refere as práticas, acções, actividades e contextos nos quais o uso da palavra é integrado.

Descrevendo o uso das palavras num jogo de linguagem procurar-se-à resolver ou dissolver os problemas filosóficos. A filosofia deverá clarificar e contextualizar o nosso uso das expressões. A filosofia deve procurar aproximar-se do sentido e não da verdade, como faz a ciência.

Tudo o que é relevante para um problema filosófico está à vista, no uso das palavras, como tal, não há descobertas em filosofia.
A filosofia não supera as contradições e os paradoxos por meios de uma inovação conceptual ou cognitiva, antes procura atingir uma clarificação da estrutura conceptual que nos afecta.

Segundo Wittgenstein a filosofia tem duas vertentes, uma negativa, outra positiva:

Na sua vertente negativa a filosofia procura clarificar a linguagem, fazer desaparecer os problemas - “a maioria dos problemas interessantes (metafísicos) desaparecerão". A vertente positiva da filosofia consiste em vigiar o uso gramatical da linguagem.
Aqui é importante referir que o termo “gramática”, no sentido wittgensteiniano refere-se não apenas à sintaxe, mas também a todas as regras de uso das palavras, incluindo aquelas que lhes determinam o sentido (contexto...)
Esta vigilância da gramática permitir-nos-à ver conexões conceptuais que normalmente ignoramos e que, como tal, geram confusões.
“Estes problemas serão resolvidos não pela adução de novas experiências, mas pela compilação do que é há muito conhecido. A Filosofia é um combate contra o embruxamento do intelecto pelos meios da nossa linguagem.”

Reduzir deste modo a filosofia a um mero controlo do uso das palavras poderá parecer redutor e trivial, no entanto não há nada de trivial acerca da linguagem, pois somos essencialmente criaturas falantes. A nossa linguagem molda a nossa maneira de ser, os nossos pensamentos e a nossa vida.
Como os problemas gramaticais/conceptuais estão profundamente gravados nos nossos hábitos intelectuais, esta tarefa da filosofia de clarificação e de vigilância da linguagem está longe de ser uma tarefa fácil.
Existem vários erros de pensamento (como imaginar que a mente é uma espécie de espaço/receptáculo, ou julgar que a introspecção é uma espécie de visão interior, ou julgar o ser como algo que pode ser pensável da mesma forma que uma cadeira ou outro qualquer objecto, etc.) que por estarem profundamente embutidos na nossa linguagem constituem uma espécie de iconografia extremamente dificil de revelar e desconstruir, que influencia todo o nosso pensar, o nosso modo de ser, etc.
Diz-nos Wittgenstein: “As pessoas estão profundamente embrulhadas em confusões filosóficas, ou seja, gramaticais. Libertá-las desses falsos pressupostos requer um reagrupamento de toda a sua linguagem.”

Existem termos, frases e contextos (mais em alguns segmentos de linguagem como a psicologia e a filosofia, do que em outros como a engenharia) que nos indicam, logo à partida, caminhos errados por onde o pensamento normalmente segue.
Wittgenstein pretende clarificar esses problemas filosóficos levantados pelo mau uso da linguagem. – É esta a concepção filosófica radical de Wittgenstein.







(0) comentários

segunda-feira, maio 12, 2003
 
“Rente à Fala” de Eugénio de Andrade, em Limiar dos Pássaros

Em “Rente à Fala”, Eugénio de Andrade parece querer dizer-nos que já não tem a capacidade de falar sobre a realidade. Perdeu a inocência - “perdera-me dessa música tão perto da fala (...) nós eramos o sorriso das crianças” - e as coisas deixaram de se mostrar nas palavras como, imaginamos, o faziam num tempo passado – “As metáforas da boca ensinam a morrer”. Já nada é rente à fala.
Apesar do poeta manter a esperança de que o real se reaproxime dele, da sua “casa” – “ver chegar o dia era tão bom” – reconhece que é no sentir – “o trabalho do olhar é sobre o corpo”- e não no falar, ou no dizer – “na boca outras manhãs hesitam em arder” – que esse reencontro é possível.
O encontro final do poeta consigo mesmo estará então na intimidade silenciosa e inefável – “tenho ainda de procurar a pedra próxima do silêncio onde dormir.”
Eugénio de Andrade é poeta, escreve, vive do que escreve e paradoxalmente parece dizer-nos que queria que morressem esses vazios das coisas que são as palavras – “sulcos abertos lábio a lábio” – parece dizer-nos que se pudesse escolheria a realidade à aparência sem realidade, a noite verdadeira à noite imperfeita – “a sombra desatada” – escolheria o silêncio à poesia.
Espero que não.


(0) comentários

domingo, maio 11, 2003
 
"Conto Azul" da Marguerite Yourcenar.

O meu primeiro contacto com a autora
O conto (1º) que dá o nome ao livro foi um dos momentos de literatura mais intensos que já vivi.
Um estilo que faz lembrar algum Borges e (não me perguntem porquê) "O que diz Molero" do Dinis Machado.
Uma linha de Ariadne imperiosa, que parte do "mar azul" e chega a um "olho miraculosamente azul", passando, num só fôlego, por paixões, traições, uma perna gangrenada, marinheiros bêbados e violentadores, tesouros infinitos, os cabelos de uma escrava que atraem safiras num lago muito puro, um irlandês de bom coração e uma mendiga...



(0) comentários

 
“A Ordem Natural das Coisas” de António Lobo Antunes

A meu ver, ordenadas as coisas (ou antes, a maneira como vemos as coisas), estas podem resumir-se a 4 categorias básicas: Amor/Ódio; Alegria/Tristeza.
É com estas quatro categorias básicas que se debatem as personagens lobantunianas. Ou seja, debatem-se, não com uma “ordem natural das coisas” em si, mas antes com uma “desordem humana dos sentimentos”, que é a causa de todos os seus sofrimentos, e que acenta na constatação de que as coisas estão aí, indiferentes a nós e às nossas dores, e como tal – e pela lógica busheana de que quem não está com os EUA está contra os EUA – em confronto permanente connosco.
A relação que mantemos com as coisas é então uma relação dialéctica em que não é possível uma superação positiva.
Como as personagens deste romance, vivemos à superfície das coisas, nunca descendo muito fundo, porque as coisas não têm profundidade alguma (a profundidade está em quem atribui profundidade às coisas), nem nunca voando muito alto, pois também nós somos coisas.
Como as personagens deste romance, voamos debaixo da terra, nunca procurando nada de especial, nem nunca conseguindo nada de especial. Vivemos sofremos e acabamos.
“A Ordem Natural das Coisas” será então esta constatação de que estamos sozinhos, lançados num mundo que nos é hostil e que somos obrigados a atravessar devagar, tão devagar como se o tempo todo fosse um único instante muito comprido, em que a vida é “peso, resignação e mágoa”, e a morte é simplesmente nada, e como tal não consola ninguém.

PS - a escrita do Lobo Antunes cada vez mais me parece um novelo do qual cada vez vai ser mais dificil sair.
Tomaz



(0) comentários