Via da Verdade

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terça-feira, setembro 19, 2006
 
Para uma Filosofia do Flirt !!

- quanto a mim mais uma tentativa de racionalizar algo que é da ordem do instintivo e, mesmo, do senso comum. Toda a gente sabe reconhecer um "flirt", toda a gente sabe quando é que está a ser "flirtado" (embora nem toda a gente saiba "flirtar") sem que para isso tenha de recorrer a uma qualquer cartilha lógico-"flirtosófica"...


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terça-feira, junho 27, 2006
 
Resumo do meu artigo Emoções e o problema mente-corpo

1) Apresentação do problema Mente/Corpo

Keywords: fisicalismo; completude da física; causação mental; Tim Crane; emergentismo.

Três teorias que explicam o papel causal da mente no mundo físico:
i) Teoria da Identidade [o argumento da variabilidade múltipla contra a teoria da identidade - funcionalismo]
ii) Fisicalismo não redutivo/ Superveniência [o conceito de superveniência não resolve o problema da causação mental]
iii) Emergentismo [apresentação da posição de Tim Crane em que este rejeita a completudo da física. Breve referência à obra ?O Universo a nossa casa? de Stuart Kaufman]

b) Três argumentos contra uma teoria fisicalista da consciência
i) O argumento dos Zombies de David Chalmers
ii) A falha explicativa
iii) O argumento do conhecimento: Maria a cientista das cores

c) Thomas Nagel e Colin McGinn contra as explicações fisicalistas para os fenómenos mentais
i) Em ?What is it like to be a bat?, Thomas Nagel afirma que a consciência, por ser algo sentida apenas pelo sujeito que é consciente nunca poderá ser devidamente apreendida por uma teoria fisicalista.
ii) Colin McGinn no seu livro ?Problems in Philosophy: the limits of enquiry?, apresenta a sua tese do naturalismo transcendental ou seja, McGinn acredita que apesar de o fisicalismo ser verdadeiro e não haver mais nada no mundo que fenómenos passíveis de serem explicados pela ciência física (naturalismo) devido às limitações do nosso sistema cognitivo nós não conseguimos compreender como é que muitos desses fenómenos podem ser verdadeiros (transcendental). Entre esses fenómenos McGinn coloca o problema da Mente-Corpo, o problema do livre arbítrio, o problema da consciência, o problema da identidade pessoal...)

[Neste ponto argumento que b) e c) não nos apresentam quaisquer soluções ao fisicalismo. Digo ainda que a) i) e ii) já foram devidamente desmontados por Tim Crane e que a proposta emergentista deste autor com o seu consequente abandono da completude da física em a) iii) simplesmente não me convence pois também não oferece uma alternativa à causalidade da física. Como tal na segunda secção procuro contribuir para uma resolução fisicalista do problema Mente-Corpo aproximando de alguma forma os Estados Mentais dos Estados Corporais via estados Emocionais.]

2 ? Contribuição para a resolução do problema mente corpo: aproximar mente e corpo via emoções

A ideia essencial aqui defendida é a seguinte: qualquer conceito emocional tem uma concomitante física, que defini como uma protoemoção. Identifico todo e qualquer evento mental com um determinado conceito emocional pelo que um evento mental não pode ser considerado algo abstracto que se possa separar desse concomitante físico, nomeadamente, um sentimento emocional. Em termos históricos ou evolucionários esse sentimento emocional começou por ser a protoforma dos nossos eventos mentais, no sentido em que consistia numa avaliação corporal de algo que era bom ou mau para o organismo. Aqui sigo Patricia Greenspam que identifica o significado dos nossos estados mentais primitivos com essa avaliação imediata e não cognitiva de estados do corpo. Ainda segundo Greenspam terá sido a complexificação do nosso sistema cognitivo que terá afastado os nossos eventos mentais deste seu significado imediato inicial. No entanto, mesmo após a sofisticação conceptual que o desenvolvimento do nosso sistema cognitivo permitiu, os nossos eventos mentais continuam ligados ao corpo constituindo o conteúdo semântico de eventos físicos como as protoemoções.

O desenvolvimento cultural e filosófico da humanidade levou-nos a falar e a pensar a mente como essencialmente separada do corpo, e de facto parece-nos óbvio que assim seja: imaginamo-nos facilmente a sobreviver à morte do nosso corpo, a trocar de corpo com outras pessoas, a sair fora do nosso corpo ir dar uma volta e voltar, etc.),e é por isso que nos custa a aceitar uma explicação fisicalista para o problema mente/corpo. Talvez não nos seja possível falar dos nossos estados mentais como propriedades dos nossos estados corporais, talvez isso não caiba na nossa grelha conceptual e nos seja completamente ininteligível, mas isso não quer dizer que as coisas não sejam assim. Parafraseando Wittgenstein, de facto não nos parece que a mente seja o corpo, mas como é que pareceria se a mente fosse, de facto, o corpo?

Tomás Magalhães Carneiro



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Mind Language and Action Group

Colóquio MLAG

RACIONALIDADE, CRENÇA, DESEJO

POCTI/FIL/55555/2004

Instituto de Filosofia ? FLUP

torre B- 1º andar

30 de Junho de 2006

09h00 - Abertura

Sofia Miguens

09h10 - Emoções protoemoções e racionalidade

Tomás Magalhães Carneiro

10h10 - Racionalidade na acção: porque não somos irracionais

Carlos E. E. Mauro e Susana Cadilha

11h10 - Intervalo

11h30 - Conceito de crença, triangulações e atenção conjunta

Sofia Miguens

12h30 - Filosofia da informação: pressupostos epistemológicos em Luciano Floridi José P. Maçorano

13h30 ? Encerramento

Todos os autores são investigadores do Mind Language and Action Group ? MLAG http://web.letras.up.pt/smiguens/mlag/index.html



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segunda-feira, junho 05, 2006
 
Resumo do meu artigo apresentado no 3º Encontro Nacional de Filosofia Analítica ENFA 3

Emoções e Racionalidade Derivada

Os dois problemas centrais deste artigo são os seguintes: 1) que estatuto atribuir ao nosso background não cognitivo numa teoria filosófica da racionalidade?, e 2) como encontrar um critério normativo de racionalidade?

Na primeira secção ?Critérios de racionalidade: duas objecções ao critério consequencialista?, procuro contextualizar o artigo no estado da arte fazendo alusão ao trabalho de Stephen Stich (Research Group on Evolution and Higher Cognition) no sentido de trazer os resultados da psicologia evolucionista para o campo das teorias da racionalidade. Interessa-me sobretudo o seu trabalho sobre racionalidade das emoções, nomeadamente o critério consequencialista que Stich usa para avaliar a racionalidade e a irracionalidade das emoções.

Em seguida avanço com duas objecções ao critério consequencialista. Numa primeira objecção critico Stich por este não deixar bem claro onde devemos parar a atribuição de racionalidade. Se seguirmos apenas o critério consequencialista, parece-me, vemo-nos livres para atribuir racionalidade a fenómenos não cognitivos como algumas emoções básicas. Numa segunda objecção ao critério consequencialista defendo a necessidade de um meta-critério normativo contra o qual avaliar a racionalidade do agente, suas acções e processos cognitivos.

Na segunda secção, ?Racionalidade derivada e avaliação de racionalidade? procuro responder a estes dois problemas. Nesse sentido defendo que para falarmos da racionalidade de um agente, de uma acção, ou de um processo cognitivo são necessários dois níveis de condições: condições de ocorrência e condições normativas de avaliação. Nas condições de ocorrência coloco o background pré-racional, condição necessária para a ocorrência de fenómenos racionais. Neste artigo defino todos esses fenómenos não cognitivos que constituem o background sob o termo protoemoções. Nas condições normativas de avaliação coloco a rede de crenças e de atitudes proposicionais necessárias para que determinado fenómeno seja interpretado, comparado e avaliado quanto à sua racionalidade.

Quanto às condições normativas de avaliação pretendo ainda argumentar em defesa de uma norma pela qual se possa avaliar a racionalidade dos agentes.

Procuro ainda argumentar em favor de uma maior empiricidade das teorias da racionalidade e para isso (inspirado no conceito de ?intencionalidade derivada? de John Searle) avanço com a atribuição de racionalidade derivada ao background não cognitivo dos nossos sistemas cognitivos (as nossas protoemoções). Essa atribuição pretende, por um lado, dar conta da importância desse background não cognitivo nos nossos processos cognitivos superiores, por outro lado pretende encurtar a distância entre esses dois pólos (mente e corpo) que poderão não estar tão distantes quanto normalmente se pensa.



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domingo, abril 02, 2006
 
Globalização ética: condicionalismos, problemas e um impasse (excertos)


Abstract

Este trabalho envereda por duas linhas argumentativas, espero eu, complementares.
Numa primeira linha defendo a ideia que a organização do mundo globalizado tal como o conhecemos é o resultado de uma série de fenómenos sobre os quais os indivíduos exercem pouco ou nenhum controlo. Esta primeira linha pretende enquadrar o trabalho no contexto geral deste seminário - a ideia que dispositivos vários que transcendem o homem, infirmam, coagem e restringem as suas opções e formas de vida.
A segunda linha argumentativa procura apresentar a ideia que a ética surgiu como uma ferramenta para o homem resolver problemas que se lhe deparavam nos ambientes em que evoluiu e que, em resultado disso, é um instrumento insuficiente para resolver os problemas éticos colocados aos indivíduos pela sociedade globalizada. No final argumento a favor da homogeneidade da natureza humana como o mínimo ético comum que nos obrigará a encontrar soluções de compromisso no sentido de se resolverem alguns problemas prementes que se colocam às sociedades actuais.

Introdução

1 -Na primeira parte deste trabalho começo por tentar explicar os condicionalismos que levaram a que tenha sido a ?nossa? cultura ocidental a ser globalizada e não outra cultura qualquer, como a Chinesa, a Neoguineense, a Azteca ou a dos índios Aruáquis da Amazónia. Para esta parte do trabalho baseei-me no livro ?Armas, Germes e Aço? de Jared Diamond

2 -Na segunda parte apresento a religião como uma das forças modeladoras da sociedade ocidental que levaram ao aparecimento de fenómenos sociais como a ciência, a cultura, a técnica e os valores éticos da sociedade capitalista. Foco essencialmente a importância que o ascetismo protestante teve na modelação das mentalidades dos homens e na forma como isso abriu as portas à possibilidade de uma ética para a sociedade capitalista ocidental nos moldes que hoje a conhecemos. A obra tutelar desta secção é o livro de Max Weber, ?A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo?.

3 -Na terceira parte apresento alguns problemas éticos novos levantados pelo facto de vivermos num mundo globalizado a uma escala nunca antes vista. Alguns desses novos problemas éticos são: a necessidade de cuidarmos de uma atmosfera comum, a existência de uma economia comum e a necessidade de uma legislação básica comum a todos os seres humanos. A partir desses dados éticos novos, levantados por Peter Singer na sua obra ?Um só mundo? e por H.P. Martin e H. Shumann em ?A armadilha da globalização?, argumento a favor de uma ética universal e imparcial mais adequada à nova civilização global em que vivemos.

4 -Na quarta parte introduzo a noção de cosmopolitismo e o consequente impasse gerado por esta ideia de humanidade partilhada [a noção aceite por todas as pessoas sensatas de uma homogeneidade da espécie humana] e a constatação da impossibilidade de uma moralidade partilhada. Nesse sentido apresento os argumentos do filósofo inglês Simon Blackburn que no seu livro ?Rulling Passions? toma uma posição humeana acerca da origem sentimentalista e evolutiva da ética e, a partir daí concluo que a natureza humana opõe-se à necessidade (real) de uma ética global.

No final do trabalho defendo a necessidade de se superar esse impasse.

(...)

4 ? Um Impasse: éticas locais, preocupações globais

Cosmopolitismo
A ideia proposta por Peter Singer de que todos os seres humanos partilham uma humanidade comum (ponto 3), pertencem a uma única comunidade (a comunidade humana) e, como tal, devem preocupar-se e ajudar-se mutuamente independentemente da nacionalidade de cada um não é, dizia, uma ideia nova. Esta é a ideia base da noção de cosmopolitismo (do grego kosmopolitês; cidadão do mundo) introduzida no pensamento ocidental pela filosofia estóica e que foi de grande importância na modelação das mentalidades dos cidadãos do mundo greco-romano e da sociedade ocidental que aí teve a sua origem.
Existem diversas formas de colocar em prática os ideais cosmopolitistas, quer politica, económica ou moralmente. No entanto, aquilo que une os autores que defendem uma concepção rígida de cosmopolitismo (e Singer é sem dúvida um deles) é a noção de que as nossas obrigações morais para com os outros não devem ser enviesadas por considerações de cariz paroquial como a pertença a um grupo ou a uma nação que nos sejam mais afins.
É moral ser-se eticamente imparcial?
A ideia que aqui defendo é que uma ética composta por valores que transcendam a família, a tribo, a comunidade, ou a nação, isto é, uma ética universalista e imparcial para com o outro, independentemente das relações de parentesco, amizade, ou nacionalidade, é contra a natureza humana e contra o modo de ser do próprio pensar ético.
Para saber o que é isso do ?modo de ser do pensar ético? julgo que é necessário fazer referência a algumas ideias acerca da forma como tomamos decisões, formamos os nossos valores e agimos de acordo com eles. Seria necessário, para isso, aprofundar um pouco uma investigação acerca da natureza da mente humana, mas isso sairia fora do escopo deste trabalho. Limitar-me-ei a referir dois modelos contrastantes acerca da nossa natureza enquanto seres deliberadores e agentes morais: o modelo sentimentalista de inspiração humeana e o modelo racionalista de inspiração kanteana. Para isso apoiei-me na obra ?Rulling Passions? do filósofo inglês contemporâneo Simon Blackburn. Nos capítulos 7 e 8 desta obra o autor faz uma análise desses dois modelos concorrentes tomando uma posição clara em favor do modelo sentimentalista segundo o qual aquilo que ajuizamos ser moralmente correcto está intimamente ligado àquilo que sentimos, e que foi moldado pelo meio socio-cultural que nos envolve: as relações de amizade, família, respeito, honradez, as crenças espirituais que mantemos, etc., fazem com que tenhamos valores diferentes uns dos outros. A forte ligação (biológica) entre a natureza humana e a ética humana justifica, de um modo imparcial, algumas práticas sociais, e alguns valores éticos, parciais. À semelhança do que escreveu Nietzsche acerca da verdade, os nossos valores morais são, do princípio ao fim, antropomórficos.
Ora, este facto enviesa a nossa imparcialidade ética pela raiz uma vez que o nosso comportamento moral é moldado pelo valor que achamos que devemos atribuir a cada um dos outros. Tendo em conta a origem socio-cultural dos valores morais é extremamente difícil, se não mesmo impossível, ser-se eticamente imparcial. A moral é por natureza parcial, como tal julgo que é até pertinente perguntar se é moral ser-se eticamente imparcial? Para o ilustrar pensemos num ser humano que orientasse a sua vida moral por estritos ideais de universalidade e imparcialidade, dando a mesma relevância ética a todos os seres humanos por igual. Ora, esse ser humano seria necessariamente um mau pai, um mau marido, um mau amigo, um mau cidadão, etc. Uma vida humana com sentido é necessariamente uma vida que nos possibilite ligações íntimas, profundas e completas com os seres humanos que nos são mais próximos. É natural que nos sintamos mais ligados aos nossos parentes e amigos que a um indivíduo que viva do outro lado do mundo. É mesmo natural que sintamos algum desapego para com a vida desse indivíduo. Com os nossos familiares, amigos e concidadãos, partilhamos muito mais que uma humanidade comum e, como tal, devemos muito mais a eles que a outro ser humano qualquer.

O paradoxo entre o sentimento cosmopolitista de uma humanidade partilhada, isto é, a noção de que vivemos num mundo global em que formamos uma só comunidade e todos temos certas obrigações morais universais, e o sentimento de que somos, e devemos ser, eticamente parciais, ou seja, que temos mais obrigações morais para com aqueles que nos são mais próximos, esse paradoxo, dizia, é dificilmente superável e a tentativa de o superar, ou contornar, é um desafio que necessariamente temos de nos colocar.

Resumindo, o que procurei mostrar nesta secção foi que o homem resiste à globalização, ou seja, dada a origem sentimentalista e evolucionista dos nossos valores morais, a nossa natureza humana opõe-se a uma ética global, universal e imparcial. O homem não evoluiu no sentido de viver num mundo global, mas numa aldeia, numa tribo, numa comunidade relativamente pequena, fazendo parte de uma família, de um clã ou de uma tribo. Como tal não aceita naturalmente a ideia de uma ética que transcenda os valores que melhor se adequam a essas realidades. Desde que começou a viver em sociedade o homem evoluiu para viver numa pequena comunidade de laços pessoais e foi no sentido de fortalecer esses laços sociais e sentimentais com os que lhe eram mais próximos que desenvolveu os seus valores morais, os seus códigos de conduta ética, apoiados num aparato cognitivo próprio que lhe possibilitam pensar e agir de acordo com essas necessidades. Porém, num curto espaço de tempo (comparado com a sua longa história evolutiva de mais de 100 mil anos) o homem viu-se forçado a viver no mundo inteiro e preocupar-se com o mundo inteiro. É, pois, natural que esse mesmo aparato cognitivo, esses mesmos códigos de conduta ética, enfim, esses valores morais, que tiveram origem e evoluíram para resolver problemas nos nossos ambientes e sociedades ancestrais (família, clã, tribo, nação) sejam desadequados a uma ética radicalmente diferente, uma ética imparcial, indiferente para com o que nos é mais ou menos próximo, uma ética demasiado racional e como tal demasiado inumana. No fundo a ética que idealmente se adequaria ao modelo de mundo para o qual caminhamos. Uma ética demasiado irrealista para um mundo demasiado real.

Em face desse caminho que se trilha à frente do homem, este parece coagido a encarar-se como um supra-homem, um homem universal, quando, claramente não tem capacidades para isso. Não se estará a exigir demasiado do homem actual? O esforço para uma ética universalista e imparcial não será um passo maior que aquele que as suas curtas pernas podem dar? Por outro lado, como exigir menos do que isso? É esse parece-me, o impasse a que chegamos e para o qual ainda não encontrei resposta.

A ideia fundamental que aqui quis passar aqui foi a de que a necessidade real de uma ética global, universal e imparcial é como um prego que tentamos apertar com a chave de fendas da nossa natureza humana.

Conclusão

Obrigados a superar o impasse
Apesar de ao nível ético haver uma divergência inconciliável causada, como vimos, pelo facto de nem todos valorizarmos as mesmas coisas, o ideal de cosmopolitismo ensina-nos algo que devemos ter sempre presente: a ideia que partilhamos todos a mesma humanidade apesar de não partilharmos os mesmos códigos morais. É deste mínimo ético comum, da ideia de homogeneidade da espécie humana, que devemos partir para tentar resolver alguns dos problemas prementes que se colocam às sociedades actuais. Estes problemas obrigam-nos a superar o impasse entre o ideal cosmopolitista e natureza humana.
Em ?O nosso futuro pós-humano? Francis Fukuyama alerta-nos para os perigos actuais de alguns progressos no campo das biotecnologias (engenharia genética, a neurofarmacologia e as ciências cognitivas) podere vir a alterar drasticamente aquilo que consideramos ser a nossa natureza humana (modelamento genético de fetos, indução de felicidades artificiais por meio de fármacos, prolongamento indefinido do tempo de vida em detrimento da qualidade de vida e do bem-estar social, etc.). O consequente abismo moral desse ?futuro pós-humano? obrigar-nos-á, em breve, a tomar posições éticas que fundamentem opções políticas de compromisso.

Outro problema grave que a ideia de cosmopolitismo pode ajudar a combater é o problema da fome nos países de terceiro mundo. A ideia que a miséria humana e a fome são um mal objectivo, não é passível de discussão ética. Estes problemas não são um problema ético, são um problema, ponto final. Partindo da ideia cosmopolitista de uma humanidade partilhada segundo a qual todos partilhamos das mesmas necessidades e preocupações, a obrigatoriedade do combate à miséria humana e à fome deve ser considerado um dado ético adquirido, objectivo e universal. A ideia de que a fome e a doença no terceiro mundo são uma epidemia que deve ser combatida é uma forma de pensamento cosmopolitista que ultrapassa quaisquer diferendos éticos que possam subsistir.

Aplicar no terreno (i.e. politicamente) estes ideais cosmopolitistas, implementando instituições que regulem o bom e o mau uso das tecnologias (Fukuyama, p.29), ou implementando políticas económicas como a proposta por Singer de os países ricos destinarem 1% do seu PIB ao combate à miséria e fome nos países do terceiro mundo (Singer, p. 261), é uma obrigação moral para as sociedades actuais.

A verdade é que vivemos todos num só mundo, somos uma humanidade inextrincavelmente ligada para o bem e para o mal e, como tal, é bom que nos entendamos se não eticamente, pelo menos humanamente. A ideia fundamental a reter aqui é que só temos, de facto, uma chave de fendas para trabalhar, mas o prego tem mesmo de ser apertado.

Tomás Magalhães Carneiro


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REDUCIONISMO: UMA PRIMEIRA ABORDAGEM (excertos)



Introdução

O reducionismo é a posição que defende que uma teoria de um determinado tipo pode ser explicada na sua totalidade por outra teoria mais básica.
Esta posição é a consequência lógica de uma determinada ontologia, o materialismo filosófico, ou seja, a doutrina segundo a qual tudo o que existe no universo é algo de material, ou seja, um agregado de partículas físicas elementares, sejam estas protões, electrões, ou quarks. Dessa forma o materialismo (e o reducionismo) é uma forma de monismo (defende a existência de uma única substância elementar) que nega a existência de coisas como almas, espíritos ou forças vitais.

Segundo esta posição ontológica materialista, tudo o que há (células, organismos, sistemas, etc.) são combinações desses materiais físicos básicos. Daí a crença em que as melhores explicações que podemos obter, as mais seguras, são aquelas que se reportam a essas entidades mais elementares.
A consequência lógica deste pensamento é a procura de uma ciência única, a física (a ciência que trata das coisas mais básicas), que explicaria tudo aquilo que existe (organismos, ecossistemas, a mente humana, sistemas sociais, etc.) dispensando todas as outras ciências que lhe são subsidiárias (química, biologia, psicologia, sociologia, etc.). Descobertas as leis fundamentais de tudo o que há, as leis dos quarks, ou de outras partículas mais elementares entretanto descobertas pela física, teríamos acesso, nas palavras de Stephen Hawking ao ?pensamento de Deus.? O cumular do pensamento reducionista seria a unificação da ciência, ou seja a sua redução a uma Grande Teoria Unificada da física. (Hawking, p.226)


Reducionismo ontológico e reducionismo metodológico

É comum fazer-se uma distinção entre reducionismo ontológico e reducionismo metodológico.
O reducionismo ontológico é uma crença mais fundamental acerca da estrutura do universo que defende que a melhor explicação para os fenómenos naturais deverá ser encontrada ao nível mais básico, o nível físico, enquanto que o reducionismo metodológico pode ser melhor entendido como uma estratégia que tem demonstrado bons resultados no que à investigação científica diz respeito. Seguindo esta estratégia o cientista procura explicações causais simples (leis que rejam as relações entre partículas elementares) para fenómenos biológicos complexos (a vida, a interacção entre organismos, etc.) Os sucessos da ciência mostram que a estratégia reducionista funciona: inovação tecnológica, engenharia genética, medicina, biotecnologia, etc.

O reducionismo ontológico partilha desta crença de que as explicações mais completas para os fenómenos biológicos devem ser encontradas ao nível das relações entre os elementos físico-químicos básicos, mas enquanto para o reducionista metodológico tal acontece pois essa é a melhor estratégia científica, isto é, a que até hoje comprovadamente deu mais resultados, para o reducionista

ontológico isso é verdade porque as únicas coisas que realmente existem, os fundamentos da realidade, são as partículas subatómicas.

Enquanto estratégia o reducionismo metodológico é uma tendência natural da ciência que procura compreender as coisas complexas através de uma análise das suas partes.
É seguindo esta estratégia que a posição reducionista em ciência cognitiva defende que as teorias psicológicas poderão ser explicadas em termos de teorias mais básicas como as teorias neurocientíficas, que desse modo revelarão que os estados psicológicos não serão mais que estados ou processos neurofisiológicos. Da mesma forma a posição reducionista defende que os termos de outras ciências de nível superior, como a biologia, serão melhor compreendidos quando forem explicados nos termos de outras teorias mais básicas, como a química e a física. Assim, por exemplo, a evolução de uma espécie será compreendida como a evolução de configurações físico-químicas essenciais à sobrevivência de determinados genes.
Se por um lado é relativamente fácil imaginar uma redução bem sucedida de uma teoria química a uma teoria física, assim como uma redução bem sucedida de uma teoria biológica a uma teoria química, já não é nada fácil perceber como é que seria a redução de uma teoria biológica a uma teoria física sem que nada da primeira se perdesse pelo caminho. Como explicar, por exemplo, os hábitos alimentares de um elefante nos termos usados pela física (relações entre átomos, electrões e quarks) sem que nada do que compreendemos através da explicação biológica se perca quando a traduzimos nestes termos? E se já é difícil, se não mesmo humanamente impossível, dar esse salto imaginemos o que seria procurar uma equação física que explicasse ao nível das relações entre átomos, electrões e quarks fenómenos psicológicos como as nossas crenças, os nossos desejos, as nossas intenções, as nossas sensações estéticas ou emocionais.

Ou seja um dos problemas colocados a uma tentativa de reduzir um fenómeno biológico, ou outro fenómeno de uma teoria superior (no sentido de mais afastada de uma teoria física básica) como a psicologia ou a sociologia aos termos de uma teoria física é, exactamente, que os tipos de explicação de uma e de outra ciência são diferentes pois ?a biologia lida com regularidades diferentes do tipo de regularidades da física e da química.? (Webster p.50).

Em seguida procurarei analisar algumas estratégias reducionistas em biologia e em ciência cognitiva, nomeadamente a tentativa de encontrar uma Teoria Unificada da Física e da Biologia, em Richard Dawkins, e a tentativa de encontrar uma Teoria Unificada Mente-Cérebro em Patrícia Churchland.
(...)

Argumentos filosóficos contra o reducionismo

O problema do reducionismo é um problema que deixou alguns filósofos como Donald Davison, Daniel Dennett e Jaewong Kim numa posição complicada. Por um lado não queriam deixar de ser fisicalistas (um tipo de materialismo), ou seja, queriam continuar a afirmar que não há nada no mundo que não seja uma entidade física ou uma relação entre entidades físicas, por outro não queriam, ou não achavam possível, reduzir fenómenos mentais a fenómenos físicos. Ou seja. Não queriam deixar de ser fisicalistas, mas também não queriam cair no redutivismo e, muito menos, no eliminativismo a que a posição reducionista radical parece invariavelmente conduzir.
Segundo a posição eliminativista em filosofia da mente os estados mentais normalmente invocados pela psicologia popular para falar da mente e das acções humanas (crenças, desejos, intenções, etc) não existem realmente. Para os eliminativistas estes estados são como os deuses das antigas religiões pagãs, ou como os espíritos vitais dos primórdios da ciência, i.s., são termos de uma teoria essencialmente errada que, como tal, são também eles falsos.

Em oposição a este fisicalismo radical (eliminativista), o fisicalismo das propriedades ou o fisicalismo não reducionista, afirma que algumas propriedades


de nível superior (a mente, por ex.) constituem uma classe autónoma e irredutível de propriedades.
Enquanto fisicalistas, os fisicalistas não reducionistas não caem numa posição eliminativista e reconhecem que as propriedades psicológicas apesar de não serem redutíveis a propriedades físicas dependem de propriedades físicas que lhes servem de substrato. Ou seja, os fisicalistas que não aceitam a eliminação do mental aceitam a tese da superveniência do mental sobre o físico, a tese de que a natureza mental de um indivíduo é totalmente determinada pela sua natureza física.

i)Superveniência

Uma forma de superar o reducionismo sem abandonar uma ontologia fisicalista é a teoria que nos diz que a mente é superveniente em relação ao corpo. Esta tese mantém que o mundo é fundamentalmente composto por entidades físicas, mas no entanto apresenta-se-nos hierarquicamente dividido em várias camadas (multilayered) ou categorias de entidades. (Kim, p.221)

As propriedades mentais emergem ao nível dos organismos que são, no entanto, compostos por entidades físicas de níveis inferiores, ou ontologicamente mais básicos. Nesse caso como é que as entidades de níveis superiores (estados mentais) se relacionam com as entidades de níveis inferiores das quais emergem (estados cerebrais)?

Actualmente a posição consensual em filosofia da mente parece ser a de que as propriedades de nível superior são dependentes das propriedades de nível inferior. E é aqui que entra o conceito de superveniência.
Kim dá um exemplo de uma relação de superveniência falando de uma obra de arte, uma escultura, em que a beleza é o resultado do trabalho físico sobre um pedaço de mármore. A beleza é, diz-nos Kim, superveniente em relação ao bloco de mármore trabalhado. Ou seja não há nada mais que a pedra trabalhada a determinar a beleza da obra de arte, como tal as propriedades físicas do objecto determinam totalmente as suas propriedades estéticas. Ou seja, as propriedades estéticas são supervenientes em relação às propriedades físicas. O mesmo se passa analogamente com a relação entre o mental e o corporal.

Como se pode ver, o conceito de superveniência permite-nos falar de dependência e determinação do físico sobre o mental, sem que nos vejamos obrigados a falar de redução, que é exactamente o que pretendem aqueles fisicalistas que querem rejeitar a posição reducionista mas que não querem deixar de falar de uma dependência do mental em relação ao físico.
O conceito de superveniência permite-nos falar de uma determinação física de um fenómeno mental, mas permite-nos não ter de explicar esse fenómeno em termos físicos, ou seja reduzir esse fenómeno mental a um fenómeno físico ? um fenómeno mental é irredutível ao fenómeno físico que o origina. Este conceito parece servir tanto ao fisicalismo como ao anti-reducionismo.


ii) Monismo Anómalo

Para alguns filósofos como Paul Ricouer não é certo que o eventual conhecimento completo do que se passa no nosso cérebro melhorará o conhecimento que temos de nós mesmo. (Ricouer, 2001) É neste sentido que se coloca a objecção de Donald Davidson a esta procura por parte das ciências cognitivas de uma Teoria Unificada da Mente-Cérebro. Esta teoria, diz-nos Davidson, é algo que não faz qualquer sentido. Nos seus artigos ?Mental Events? (1979) e ?Psychology as Philosophy? (1974), Davidson argumenta contra a possibilidade de uma redução teórica dessa natureza devido ao abismo conceptual existente entre as explicações de nível psicológico (são crenças, desejos e intenções que causam acções físicas como o facto de eu erguer intencionalmente a mão e beber um copo de água) e as explicações de nível físico (que falam em termos do funcionamento de células, reacções químicas, sinapses neuronais, etc.) sobre as quais as ciências físicas trabalham. Muito grosseiramente a tese defendida por Donald Davidson nestes dois artigos é que as teorias psicológicas não podem ser reduzidas a teorias físicas.

Uma teoria que reduzisse a mente ao cérebro identificaria um qualquer evento mental com um evento mental correspondente. Esta é a chamada Teoria da Identificação Mente-Cérebro que tem a seguinte forma: uma sensação é um processo cerebral.

Os benefícios desta identificação do mental com o físico seriam, dizem os reducionistas, duplos. Obteríamos uma maior economia ontológica, uma vez que ao dispensarmos as mentes e os eventos mentais estaríamos a simplificar a nossa ontologia. Conseguiríamos também uma unificação de teorias, ou seja, ao identificarmos as mentes com propriedades neuronais complexas podemos integrar, ou seja reduzir, a psicologia a outras ciências mais básicas como a biologia, a química ou a física.

No entanto em filosofia da mente colocaram-se alguns problemas a esta posição reducionista:
O argumento do anomalismo psico-físico diz-nos que não existem leis que liguem os fenómenos físicos aos fenómenos mentais, como tal não é possível reduzir uns aos outros.
Outro argumento contra a identificação do mental com o físico é o argumento funcionalista da realizabilidade múltipla (ver 1,c,ii), que nos diz que se um evento mental pode ser realizado por uma multiplicidade de propriedades físicas em ?diversas espécies e estruturas?, não pode ser identificado com uma única propriedade física.
Tais considerações levaram muitos filósofos a defender um tipo de fisicalismo não reducionista, segundo o qual apesar de todos os indivíduos serem constituídos apenas por elementos físicos (monismo), algumas propriedades destes indivíduos, nomeadamente as suas propriedades psicológicas, não são redutíveis a propriedades físicas.

Davidson defendeu uma Teoria da Identificação que nega a existência de leis que liguem o mental ao físico, ou que identifiquem um com o outro, e para isso revelou-nos aquilo que diz ser a característica distintiva dos eventos mentais: o facto de possuírem intencionalidade. Algo de que uma Teoria da Identidade Mente-Cérebro


não dá conta, uma vez que processos cerebrais (ao contrário dos eventos mentais) não têm intencionalidade.
Esta é a base da tese do monismo anómalo de Donald Davidson. Segundo esta tese (defendida também por Daniel Dennett e Thomas Nagel) todos os acontecimentos são físicos e tudo o que existe são eventos físicos. É como tal uma posição fisicalista e monista (pois não se compromete com outras entidades não físicas). Mas ao mesmo tempo é anómala pois rejeita uma tese fundamental no fisicalismo tradicional que nos diz que os eventos mentais só podem ter explicações físicas: ?Apesar de a minha posição negar a existência de leis psicofísicas, é consistente com o ponto de vista segundo o qual as características mentais são, de algum modo, dependentes ou supervenientes, de características físicas.? (Davidson 2001, p.214)

Davidson rejeita a possibilidade de leis psicofísicas, uma vez que as leis são linguísticas e, como tal, podem ser descritas de uma ou de outra maneira. Ou seja, os eventos são mentais apenas enquanto são descritos, ou seja enquanto são linguísticos. Eventos mentais são atitudes proposicionais como crenças, desejos, intenções, apreciações estéticas, etc., que dependem, para tal, da sua inserção num contexto linguístico, numa rede de outras crenças, desejos e intenções. Não podemos atribuir inteligibilidade às atitudes proposicionais de um agente excepto dentro de uma rede de crenças, desejos, intenções e decisões. Os eventos cerebrais são processos físicos sintácticos, i.e., sem o conteúdo semântico que possuem os eventos mentais. Como tal, para aceitarmos a existência de leis psicofísicas que ligariam o mental ao físico e nos possibilitariam uma unificação da psicologia com a neurociência teríamos de deixar de falar do mental nos termos usados pelas ciências físicas ? algo que essas ciências não conseguem fazer. Os predicados físicos e mentais simplesmente não foram feitos uns para os outros.
Ou como escreve Davidson, ?em sentido algum podemos reduzir a psicologia às ciências físicas.?(Davidson 2001, p.259 ).

Pensemos por exemplo na minha crença de que ?a água está fria?. Ora, esta crença não pode ser explicada nos termos de uma teoria física (algo como H2O + a temperatura de 10º centígrados), pois o termo ?fria? é relativo ao conjunto de crenças, atitudes, objectivos e necessidades do sujeito, ou seja, depende de uma série de factores que o levam a acreditar que a água está fria. Se o sujeito fosse um pinguim da Antártida acreditaria muito provavelmente que a água estaria morna. Devido à sua inserção numa rede de atitudes proposicionais um enunciado psicológico não pode ser reduzido a um enunciado nos termos de uma teoria física.

É uma característica da realidade física que a mudança física pode ser explicada por leis que demonstram a causalidade física. E é uma característica do mental que a atribuição de fenómenos mentais é devida ao background de razões, crenças e intenções do indivíduo. Assim, para a nossa concepção de homem enquanto animal racional é essencial o abismo nomológico (nomos = lei) entre o mental e o físico. Uma teoria da mente humana deve ser uma teoria envolvente e não uma teoria unificada.

Resumindo, a tese central do monismo anómalo de Davidson diz-nos que os eventos mentais são nomologicamente irredutíveis a eventos físicos, e que não há ligação possível entre as leis psicológicas e as leis físicas.

Tomás Magalhães Carneiro


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terça-feira, novembro 29, 2005
 
Já nos vossos monitores

O número 11 da revista Intelectu dirigida por Sara Bizarro.
Este número é quase totalmente composto por artigos de investigadores do Mind Language and Action Group (Mlag) - do qual faz parte este vosso autor - no âmbito do projecto de investigação Rationality, Belief, Desire II - from cognitive science to philosophy.

Como escrevem as editoras deste número (Sofia Miguens e Sara Bizarro) no editorial, o denominador comum [destes artigos] é a racionalidade, [sendo] o objectivo central do Projecto RBD2 [o de] compreender a racionalidade de agentes, nomeadamente dos agentes humanos.

Os artigos são os seguintes:

O que tem a filosofia a dizer à psicologia - uma entrevista de Sofia Miguens ao filósofo americano Charles Travis

Somos ou não inevitavelmente racionais - um polémico artigo do filósofo brasileiro Carlos E. Mauro. Mauro diz que sim, e que não faz sentido falar de irracionalidade em Filosofia da Acção.

J.Fodor e os problemas da Filosofia da Mente - sendo Fodor um dos autores centrais do projecto RDB2 Sofia Miguens aborda aqui os problemas levantados por este filósofo à Filosofia da Mente assim como as soluções por ele apresentadas. Apresenta ainda algumas das críticas que podem ser feitas a Fodor e aos seu projecto de Filosofia da Mente.

O problema do auto-conhecimento - neste artigo Sofia Miguens procura
formular os princípios de um modelo para a investigação do auto-conhecimento em termos de entendimento linguístico que ultrapasse as limitações dos modelos cartesiano (observacional) e wittgensteiniano (expressivo).

Para acabar de vez com o cognitivismo -
neste artigo procuro mostrar que o cognitivismo em teoria das emoções tem os dias contados.

Teorias da Mentalidade. Uma apresentação filosófica - onde Clara Morando analisa as propostas apresentadas por S. Stich e S. Nichols na sua obra Mindreading acerca das nossas capacidades de ler as mentes dos outros e de assim
atribuir estados mentais (crenças, desejos, pensamentos, emoções) a outros agentes e a nós próprios.

Evolução, Cultura e a Irracionalidade das Emoções - onde é apresentada uma descrição consequencialista da racionalidade humana que procura corrigir um pouco a mão às interpretações da relação entre a racionalidade e as emoções que surgiram depois dos importantes trabalhos de António Damásio em neurociência.





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domingo, outubro 16, 2005
 

Blackburn, Hume e Kant sobre os fundamentos do agir moral + Apêndice sobre a possibilidade de sermos eticamente imparciais.

Nos capítulos 7 e 8 de Rulling Passions, Simon Blackburn procede a uma investigação da nossa natureza enquanto seres deliberadores, contrastando os modelos sentimentalistas (de inspiração humeana) e racionalistas (de inspiração kanteana) de tomadas de decisão, argumentando em favor dos modelos sentimentalistas.

De acordo com David Hume (e também Adam Smith), os nossos sentimentos morais são uma forma de coordenarmos as nossas acções com o resto da sociedade. Essa coordenação é conseguida através de diversas pressões sociais, que nos levam a comportarmo-nos e a educarmos os nossos filhos de um modo cultural e socialmente [logo moralmente] correcto. Um dos grandes objectivos da educação é, segundo Hume, fazer como que o coração se rebele contra aquilo que é considerado uma iniquidade.

Ou seja, para Hume o fundamento do nosso agir moral não é Deus, ou a Razão, mas a nossa capacidade e vontade de tomarmos o ponto de vista comum.
De facto a procura, por parte de muitos filósofos e moralistas, de um fundamento universal para a moral não foi mais que uma forma de evitar o relativismo ético a que posições como a de Hume e Smith conduzem.

É por de mais sabido que Kant procurou esse fundamento último do agir moral na Razão. Para ele a voz da moral confunde-se com a voz da razão, ou seja, a apreensão racional da lei moral tinha carácter absoluto e obrigatório. Por outras palavras as normas da razão subjazem às normas da ética. Este tipo de moral (deontológica) proposta por Kant está associada a uma metafísica do agente racional em particular, metafísica essa que, como veremos mais à frente, Blackburn rejeita.
Para fundamentar o agir moral na razão, Kant afirma que a acção moral deve seguir uma máxima (uma razão da acção) que se possa tornar uma lei universal. Esta é apenas uma das formulações possíveis do Imperativo Categórico de Kant, a base da ética deontológica de Kant.

O problema deste Imperativo, ou do agir segundo uma máxima ou regra, é que não há nenhuma acção, máxima ou regra que se possa tornar universal no campo do agir moral. Por exemplo, a proibição de mentir, pode por vezes ser a acção moral correcta, mas esta proibição nunca pode ser absoluta, como se verifica quando alguém mente para não revelar ao louco com o machado nas mãos onde escondeu os seus filhos.

Ou seja, pelo facto de uma pessoa ter determinados princípios e considerar certos deveres como moralmente correctos (não mentir, por exemplo), não quer dizer que essa pessoa tenha de deixar de pensar sempre que embate num desses princípios e deveres. Vários princípios e deveres entram em confronto entre si. Por vezes escolhemos seguir uns, por vezes outros.

Apêndice- Será possível ser eticamente imparcial.

Se formos kanteanos e considerarmos que o nosso agir ético é fundado na Razão, nesse caso deveria ser possível ser-se eticamente imparcial, uma vez que o agir moral seria acessível a qualquer ser humano detentor de uma capacidade de raciocínio normal. No entanto Blackburn afirma (seguindo a posição humeana) que aquilo que consideramos moralmente correcto está intimamente ligado ao meio socio-cultural que nos envolve; as relações de amizade, família, respeito e honradez que mantemos uns com os outros faz com que tenhamos valores diferentes uns dos outros. Ora, esse facto afecta a nossa imparcialidade ética, uma vez que o nosso comportamento moral é moldado pelo valor que achamos que devemos atribuir a cada um dos outros. Tendo em conta a origem socio-cultural dos valores morais é extremamente difícil, se não mesmo impossível, ser eticamente imparcial. A moral é por natureza parcial, como tal julgo que é mesmo pertinente perguntar se é moral ser-se eticamente imparcial?

Hume e Kant acreditam ambos na existência de pressões sociais para agirmos moralmente, apenas discordam na origem dessa pressão: os sentimentos para Hume, a razão para Kant [1]. Para Hume é a nossa natureza sentimental que nos empurra para a prossecução do bem comum. Na verdade as nossas emoções (ou sentimentos) tanto podem determinar um comportamento ético como não ético. É necessária uma ordem social específica para estabelecer uma harmonia entre a rectidão e o sucesso. A moralidade é, de facto, uma conquista social.

[nota 1 - Na verdade, não só o pensar moral, mas todos os materiais do pensamento em geral são derivados da sensibilidade ? Toda a ideia é copiada de alguma impressão ou sentimento anterior (Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano, pg 78; ed. 70)].


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sexta-feira, outubro 14, 2005
 
Stich e o Eliminativismo quanto às Crenças e Desejos

O eliminativismo defende que estados mentais como crenças e desejos não existem. São, segundo esta posição, termos de uma teoria comum fundamentalmente errada: a psicologia popular.
Desta premissa os eliminativistas concluem que os estados mentais não têm lugar na ontologia de uma ciência moderna.

Para Stephen Stich, esta conclusão não se segue das premissas apresentadas.
Segundo Stich existem duas teorias da referência que procuram dar conta da relação entre os termos da teoria popular (crenças, desejos, intenções, etc.) e os dados da ciência:

- semântica popular (a referência é indeterminada)
- proto-ciência (é a ciência que deve determinar a relação mundo-palavra)

A primeira posição de Stich era de que nenhuma destas teorias resolvia o problema do eliminativismo que, ou era insolúvel, ou não tinha qualquer importância.
Foi John Searle quem convenceu Stich de que este impasse se aplicaria de igual modo tanto aos termos da psicologia popular, como aos da física, da química, etc.
Esta crítica de Searle levou Stich à conclusão de que as questões semânticas acerca da referência não servem para resolver problemas ontológicos como os levantados pelo eliminativismo.

Na opinião de Stich, chegamos a conclusões ontológicas sobre algo através de processos de negociação social, política pessoal (como a influência de certas personalidades, factores sociais, etc.)
Estas posições de Stich aproximam-se das de Quine e Rorty (A Filosofia e o Espelho da Natureza).

Bibliografia

Deconstructing the Mind - Stephen Stich


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O cognitivismo de Jon Elster , emoções e racionalidade

Falar de fenómenos tão diferentes como são as diferentes reacções emocionais, agrupando-as num conceito unificador como é o de Emoção é um modo conveniente de organizar o nosso discurso. No entanto, o uso desse rótulo (comportamento emocional) não nos deve levar a pensar que todo o comportamento emocional é levado a cabo por somente um sistema do cérebro, nem nos deve ocultar que por detrás desse rótulo está uma miríade de eventos físicos e mentais. Ou seja, para determinados propósitos pode ser útil falar de emoções como um todo, para outros propósitos as diferentes emoções devem ser tratadas como fenómenos distintos.

Uma disputa comum em filosofia das emoções é a de saber se uma emoção tem necessariamente um antecedente cognitivo e, além disso, se é ou não um estado intencional. De um dos lados da disputa encontram-se os cognitivistas para quem um estado que não tenha um antecedente cognitivo nem seja um estado intencional, não se qualifica como uma emoção. No seu livro, The Alchemies of the Mind, Jon Elster não nega que algumas emoções, como o medo e a raiva, não têm antecedentes cognitivos. Ou seja, não nega que uma cognição não é necessariamente uma condição de todas as emoções, e neste sentido Elster podia ser classificado como um não cognitivista. No entanto, afirma que as emoções que verdadeiramente importam para uma abordagem filosófica das emoções são as emoções comuns, aquelas com que nos deparamos no quotidiano e, para essas, é de facto necessário um antecedente cognitivo. Pelo que Elster é, na verdade, um cognitivista quanto às emoções.

Neste seu livro Elster diz-nos que se preocupa sobretudo com as consequências (filosóficas) das emoções e não tanto com a sua origem (neuro-físico-químico-socio-antropo-cultural). Como tal, passa por cima do problema de saber o que é que se entende em concreto por uma emoção (para Elster ainda não há unanimidade quanto aquilo que é uma emoção) e parte da definição comum de emoção. Segundo esta definição comum, uma emoção não é despoletada por um evento ou estado de coisas, mas antes por uma crença num evento ou estado de coisas. Isto é, uma crença é mediadora de um evento e de uma emoção.
Neste sentido poderemos falar de emoções racionais e irracionais. Ou seja, se uma crença é irracional se não for bem fundamentada, uma emoção mediada por uma crença irracional é, também ela, irracional.

No que diz respeito à relação entre as emoções e a racionalidade, Elster identifica três grandes questões:

1) Qual o impacto das emoções na racionalidade das tomadas de decisão e na formação das crenças? ;
2) Até que ponto as emoções são racionais? ;
3) Podemos influenciar racionalmente as nossas emoções e as dos outros?

Por agora interessa-nos apenas a primeira questão.


1) Quanto ao impacto das emoções na racionalidade humana, o ponto de vista actual é contrário à tradição que opunha emoções e razão. Actualmente as emoções são tidas como essenciais para o processo racional.
Para saber de que modo as emoções possibilitam e adulteram os processos de tomada de decisão racional, em primeiro lugar é preciso clarificar o que é que se entende por uma acção racional e, por outro lado, como e quando é que uma acção não é racional.

Elster entende por acção racional aquela que:

a) dadas as crenças e os desejos do agente, a acção escolhida é a melhor;
b) dada a informação disponível para o agente, as suas crenças são as melhores crenças;
c) dados os desejos do agente e as suas crenças quanto aos custos-benefícios da informação que detém os recursos utilizados para a obtenção de informação são os melhores.

Consequentemente, uma acção não é racional por indeterminação (c, não se aplica) ou por irracionalidade (a e b não se aplicam), e as emoções podem desempenhar um papel subversivo na racionalidade da acção, tanto na formação de crenças como na aquisição de informação.
As emoções podem afectar a escolha racional de diversas formas: por enviesamento de probabilidades e credibilidade; aumentando as nossas crenças em acontecimentos improváveis; causando comportamentos irracionais (raiva, medos, fobias, etc.); omitindo as consequências das nossas acções; promovendo um desinteresse geral na procura de mais informação relevante; etc.

Elster partilha as opiniões de Ronald de Sousa e António Damásio que defendem que uma pessoa sem o seu aparato emocional a funcionar devidamente não chegaria sequer a tomar uma decisão racional ou irracional. Para estes dois autores as emoções estão causalmente envolvidas no processo de tomada de decisão racional, ajudando-nos a escolher entre duas opções com o mesmo valor, ajudando-nos a superar a nossa endémica falta de razões para agir optimamente informadas, poupam-nos o tempo que gastaríamos desnecessariamente a procurar essas informações. Resumindo, e citando de Sousa, o papel das emoções é suprir a insuficiência das razões.

No prefácio a este livro Elster anunciou que o seu objectivo é o de procurar compreender o papel desempenhado pelas emoções na vida mental e na geração do comportamento. Porém, se por um lado concorda com Damásio quando este diz que uma redução das emoções constitui uma importante fonte de comportamento irracional, para Jon Elster o que explica o facto de nós tomarmos uma decisão em vez de outra não é o facto de sentirmos uma emoção (enquanto estado físico) positiva ou negativa. A explicação do comportamento está ao nível das razões e não das causas. Ou seja, ao nível de atitudes proposicionais como as crenças e os desejos (pg 297). Julgo que neste ponto podemos ver a mesma defesa de uma irredutibilidade do psicológico ao físico que encontramos em Donald Davidson (no sentido em que os nossos conceitos físicos não têm profundidade suficiente para explicar os nossos conceitos psicológicos.

Nota 1: No seu artigo Psychology of Philosophy Davidson defende que conceitos como referência, significação e condições de verdade são conceitos intencionais e semânticos que, como tal, não tên lugar numa teoria cìêntifica. Os eventos mentais pertencem ao mundi físico, no entanto nós é que não conseguimos compreender como. Para Davidson não temos acesso aos cont~eúdos mentais a não ser através de um processo de interpretação (as razões de que fala Elster). Não podemos atribuir pensamentos a nós mesmos fora de uma comunidade de intérpretes e locutores. Só o podemos fazer quando estamos em posição de interpretar alguém.

Nota 2: Também para Quine uma descrição psicológica passa por cima da complexidade neuronal referindo-se a um sintoma (um efeito) em vez de a um mecanismo neuronal (uma causa).

Bibliografia

The Alchemies of the Mind - Jon Elster
Essays on Actions and Events - Donald Davidson
Introdução à Filosofia do Espírito - Pascal Engel
A Companion to the Philosophy of Mind - Samuel Guttenplan


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Armas, Germes e Aço ? o destino das sociedades humanas
Jared Diamond; ed. Relógio d´Água

O que fez Jared Diamond escrever este livro foi uma pertinente pergunta feita por um seu amigo neoguineense: Por que razão é que vocês, brancos, criaram tanta carga e a trouxeram para a Nova Guiné e nós, negros, tínhamos tão pouca carga nossa? Por outras palavras Diamond quer perceber as razões, ou as causas, da actual distribuição da riqueza e poder pelos diversos povos e continentes e dessa forma compreender a origem da desigualdade entre os povos e as raças.

Diamond começa por descartar algumas das explicações mais comuns, como a explicação pelas diferenças biológicas entre povos. Segundo este ponto de vista racista, uns povos seriam mais inteligentes do que outros, pelo que é natural que os mais aptos (implicitamente os mais inteligentes) dominem os menos aptos (os menos inteligentes, portanto). Diamond, que viveu muitos anos entre os povos geralmente chamados de primitivos, diz que pelo contrário, a inteligência e a desenvoltura mental é apanágio destes primitivos. De facto, basta pensar na quantidade de estímulos a que uma criança primitiva é sujeita, na quantidade de interacções que estas têm com outras crianças, adultos, animais e a natureza em seu redor, e pensar no filho obeso da nossa prima, pálido de olhar vítreo e polegares calejados de carregar nos botões da PlayStation e no comando da televisão, para compreender quem é o primitivo.

Então, pode o leitor perguntar, por que motivo é que somos nós ocidentais, bando de balofos intelectuais, quem domina o mundo e não os neoguineenses, os pigmeus africanos ou os aborígenes australianos, reconhecidos ginastas mentais?

Diamond avança com dois graus de explicação. A primeira (de 1º grau) diz-nos que a sociedade ocidental (euroasiática) é quem domina o mundo devido a ter tido a seu favor factores como as armas de fogo, as doenças infecciosas e os utensílios de aço. Esta explicação é no entanto insuficiente pois deixa por esclarecer os motivos por que foram os euroasiáticos (e não outros povos quaisquer, como os Africanos ou os nativos Americanos) a desenvolver esses factores de dominação. A explicação (de 2º grau) avançada por Diamond é que as raízes de desigualdade no mundo moderno mergulham profundamente na pré-história, em diferenças ambientais, geológicas e acasos históricos, tais como a orientação dos eixos dos diferentes continentes (Leste-Oeste na eurásia e Norte-Sul nas Américas e África) que permitiu uma mais rápida e homogénea dispersão de culturas, invenções e ideias ao longo de uma mesma latitude (na verdade as invenções e as ideias foram atrás das culturas que se propagaram a partir do Crescente Fértil). A causa remota que mais terá influenciado o surgimento dos factores de dominação da eurásia terá sido, de facto, a produção alimentar (agricultura e pastorícia), que surgiu primeiro na história da humanidade na zona do Crescente Fértil e se espalhou rapidamente ao longo do eixo paralelo (Leste-Oeste) para a Europa e Ásia, levando consigo invenções como a escrita, as técnicas militares, a organização política, e danos colaterais como os germes, passados ao homem pelos seus animais domésticos, e aos quais os euroasiáticos ganharam ao longo dos tempos imunidade. Essa mesma imunidade não foi adquirida pelos povos dos Novos Mundos que foram mais dizimados pelos germes que os seus conquistadores traziam nos seus corpos que pelas armas que traziam no porão dos seus navios.

Não deve hesitar em oferecer este livro a qualquer amigo racista de cabeça dura, pois se o seu conteúdo não o fizer ver que as diferenças culturais entre os povos, nomeadamente a dominação do mundo pelos povos euroasiáticos, não têm a sua razão de ser em diferenças biológicas e numa putativa superioridade rácica, mas antes em acasos e vicissitudes ambientais, geográficas e históricas que recuam aos primórdios da humanidade, talvez o peso das 490 páginas deixadas cair ?inadvertidamente? sobre a sua cabeça o faça.

TomaZ


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terça-feira, junho 14, 2005
 
António Damásio sobre as Emoções

Damásio começa por distinguir sentimentos, estados internos e privados, de emoções que são estados dirigidos para o exterior e públicos. Para Damásio sentimentos e emoções são dois estados distintos do organismo, e dá-nos como exemplo um caso de um paciente seu que sentia dores fortíssimas mas que não tinha os estados emocionais que normalmente correspondem a um sentimento de dor. Sentia-se estranhamente bem, apesar das dores.Quanto à visão predominante que durante o século XX separou emoção e razão Damásio considera que está definitivamente ultrapassada. A perspectiva evolucionista que percorre as ciências da mente diz-nos que o nosso sistema emocional surgiu antes do nosso sistema cognitivo consciente estando ambos intrincadamente ocupados em tarefas que permitam a sobrevivência do organismo. Os processos de raciocínio e tomada de decisão que constituem aquilo a que chamamos racionalidade não seriam possíveis sem a componente emocional: ?a emoção faz parte integrante dos processos de raciocínio e tomada de decisão.? (p. 61)Vimos então que as emoções subjazem àquilo que entendemos por racionalidade. Porém, donde surgem essas emoções? Qual o seu substrato? Segundo Damásio esse substrato é composto por mecanismos biológicos básicos, muito simples e que não dependem da consciência. Ou seja, na origem das emoções estão mecanismos biofísicos sem conteúdo mental que permitem que o organismo desenvolva de uma forma não consciente comportamentos que respondem de determinada maneira a estímulos exteriores e interiores e que preparam o organismo para a acção. A este processo biológico Damásio dá o nome de ?desencadear não consciente das emoções?.
O que são, então, as emoções e para que servem?De um modo muito sucinto, para Damásio emoções são processos biologicamente determinados (padrões químicos e neurais) cuja finalidade é ajudar o organismo a manter a vida. Processos biológicos esses que foram sendo moldados ao longo de muitos anos pela selecção natural. Para Damásio a função biológica das emoções é dupla: por um lado produz ?uma reacção específica para a situação indutora? e por outro regula o estado interno do organismo com vista a essa reacção específica. Ou seja, as emoções são a forma que a natureza encontrou para proporcionar aos organismos comportamentos rápidos e eficazes orientados para a sua sobrevivência. Podemos então dizer que, segundo Damásio, as emoções se encontram num patamar intermédio no sistema cognitivo humano: um degrau acima de sistema biofísicos ?cegos? como os reflexos, o sistema de regulação metabólica e as emoções de fundo como a dor e o prazer, assim como impulsos e motivações (ver Motivation by Peter Shizgal), e um degrau abaixo dos comportamentos conscientes e estados mentais cognitivos que caracterizam aquilo que entendemos por racionalidade. Conforme fica bem ilustrado no gráfico apresentado na página 76 deste livro, tanto os degraus superiores (estados conscientes do organismo) como os degraus inferiores (processos biofísicos do organismo) interagem uns com os outros através das emoções. Uma explicação evolucionista para este facto diz-nos que a forma como os nossos antepassados agiam e reagiam com os estímulos provenientes do seu meio ambiente foi-se padronizando sob a forma de sentimentos e emoções, primeiramente não conscientes, que se mostraram úteis para as tomadas de decisão do organismo, poupando-lhe tempo e energia. Da mesma forma que as emoções, também a consciência evoluiu como um equipamento de sobrevivência do organismo. Esta evolução em degraus, de estímulos cegos a sentimentos e emoções não consciente e, finalmente, a emoções e processos cognitivos conscientes e complexos indicam que, ?de uma forma ou de outra, a maior parte dos objectos e das situações conduzem a alguma reacção emocional?, que nenhuma experiência consciente é emocionalmente neutra ou, se quisermos, racionalmente pura. Esta razão purificada de elementos não racionais (o cocheiro que controla os cavalos, na metáfora platónica) teria o importante papel de impedir a ?tirania das emoções?. No entanto, diz-nos Damásio, ?os motores da razão também requerem emoção, o que significa que o poder da razão é por vezes bem modesto?. (p. 80)Fica então a pergunta: quão modesta é a nossa razão?

Bibliografia

O Sentimento de Si - António Damásio


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Normatividade

Uma regra é normativa quando é fruto de uma escolha ou de uma imposição. Por exemplo guiar pela direita é uma regra normativa, a lei da gravidade não. É costume em filosofia da mente afirmar-se que as atitudes proposicionais são uma atribuição normativa. Isto é, existem ?standards de racionalidade que dirigem a nossa atribuição de atitudes uns aos outros, apesar de ser impossível expressarmos estes standards em termos de leis ou regras específicas?. A própria posse de conceitos será uma questão normativa. Um computador actua segundo regras que lhe foram impostas, mas é pouco credível afirmar que um computador possui os conceitos dos objectos sobre os quais actua. Assim, afirmar que um ser humano é racional quando este na realidade também se rege por regras de raciocínio é uma afirmação puramente normativa.

Bibliografia

The Companion to the Philosophy of Mind - ed. Samuel Guttenplan (ed) Oxford, Blackwell Publishing, 1994


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Motivação para a Acção

De acordo com algumas experiências realizadas com ratos de laboratório a força motivadora de uma acção (aquilo que nos leva a avaliar de diferentes formas acontecimentos semelhantes, o impacto dos estímulos exteriores e a forma como agimos em relação a eles) é provocada por um conjunto de determinadas condições internas do agente. Por sua vez, a regulação dessas condições internas dependem de ?sinais que prevêm estados psicológicos futuros e de sinais que reflectem estados actuais.? Uma mudança num estado motivacional é acompanhada por mudanças comportamentais e neuronais. O toque do rato macho na fêmea com cio activa um reflexo comportamental. Num nível de maior complexidade comportamental e neuronal estes estados comportamentais interagem com processos cognitivos de forma a influenciarem o comportamento. Não há dúvida que os seres humanos usam estados abstractos para dirigir a avaliar o seu comportamento, no entanto os substratos psicológicos e neuronais desses estados abstractos motivadores podem ser do mesmo tipo daqueles estados que dirigem o comportamento biológico de outras espécies do reino animal. Recentemente têm sido feitos alguns esforços ao nível da IA com o intuito de descrever formalmente a influência da motivação no comportamento.

Bibliografia

The MIT Enciclopedia of Cognitive Sciences - ed. Robert Wilson and Frank Keil, Cambridge, MA, 1999


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