Via da Verdade |
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segunda-feira, maio 24, 2004
Aquém e Além do Cérebro* 2ª sessão. A consciência e o cérebro A Dinâmica Temporal da Visão Consciente - Dominic ffytche Se aceitarmos que a actividade neural subjaz a percepção consciente, a percepção consciente tem de demorar um certo tempo - o tempo neural das velocidades de conductividade, das sinapses, do feedback, etc. Ou seja, quando pensamos que estamos a ver um objecto é provável que esse objecto já tenha sido processado pelo nosso cérebro uns milésimos de segundo antes. O trabalho do Professor ffytche demonstra que as várias áreas de reconhecimento de um objecto são estimuladas em diferentes alturas: O Lóbulo Occipital "dispara" 100 milésimos de segundo após o primeiro estímulo, o Lóbulo Parietal, 200 ms e o Lóbulo Frontal 400 ms após esse primeiro estímulo. Estes estudos do Professor ffytche confirmam os dados de Benjamin Libet (bastante citado durante todo o simpósio) que demonstram que os neurónios que disparam quando temos uma percepção visual são os do Lóbulo Occipital (100 ms), ou seja, da área visual primária e que, depois do estímulo sensorial sucedem-se no cérebro uma série de actividades que precedem/preparam a percepção e a tomada de consciência da percepção. O que isto significa é que o tempo neural antecede o tempo perceptual em bastantes milésimos de segundos. Existe, portanto, uma preparação inconsciente para a percepção consciente. Ainda segundo Libet, a consciência surge ainda mais tarde neste processo, 1/2 mais tarde, o que em tempo neural é bastante tempo. Conclusão: Que a nossa percepção e a consciência dessa percepção estão atrasadas é um facto. As consequências neurológicas e filosóficas deste atraso devem ser, pois, motivo de discussão. * notas sobre o 5º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, realizado de 31 de Março a 3 de Abril de 2004 pela Fundação Bial. (0) comentários Aquém e Além do Cérebro* 2ª sessão. A consciência e o cérebro Os conteúdos da consciência - Geraint Rees As investigações de Geraint Rees, Professor de Neorologia no University College de Londres, procuram compreender a base neural da consciência nos seres humanos prestando particular atenção à percepção visual. O nosso cortex visual representa o mundo visual, ou seja, a actividade de certas áreas especializadas é necessária para a percepção visual, no entanto não é suficiente para a representação visual consciente. Para essa representação visual consciente é necessária a contribuição das áreas parietal e pré-frontal. É necessário, então, que haja uma interacção entre essas áreas e o cortex visual. Tal interacção servirá para integrar as nossas percepções visuais no contexto comportamental (mais lato) em que essas percepções ocorrem. Essas interacções entre diferentes áreas do nosso cérebro contribuem certamente para o enriquecimento das nossas experiências conscientes e dão-nos um consistente substracto neural para as nossas experiências visuais conscientes. Referindo-se à proposta do Professor Stephen Kosslyn de direccionar as técnicas de neuroimagem para o estudo de determinadas áreas do cérebro e de as relacionar com tarefas específicas (ver Via da Verdade - Se a neuroimagem é a resposta, qual é a pergunta? de Stephen Kosslyn), Geraint Rees sugere que outro contributo importante que as técnicas de neuroimagem podem dar é o da análise das respostas de determinadas áreas a determinados estímulos. * notas sobre o 5º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, realizado de 31 de Março a 3 de Abril de 2004 pela Fundação Bial. (0) comentários Aquém e Além do Cérebro* 1ª sessão. Metodologias Mente-Cérebro: problemas e avanços. Se a neuroimagem é a resposta, qual é a pergunta? - Stephen Kosslyn* Nas suas investigações, o Professor Kosslyn, docente de psicologia na Universidade de Harvard, tem procurado clarificar a ligação entre os eventos mentais e a experiência, dedicando-se sobretudo à cognição visual. Mais concretamente procurando compreender a forma como se deve aplicar a metodologia moderna, como as técnicas de neuroimagem, à compreensão do cérebro. Segundo Stephen Kosslyn, a complexidade do cérebro humano obriga a uma abordagem programática, mais própria das ciências empíricas que, por exemplo, da filosofia. Existem demasiadas áreas cerebrais envolvidas no processamento de informação: memória espacial, memória dos objectos, memórias associadas, etc. Para tirarmos o melhor proveito das técnicas de neuroimagem devemos dirigir os nossos inquéritos para perguntas concretas sobre as áreas e funções específicas. Quais são, então, essas perguntas? Kosslyn apresenta dois grandes grupos de perguntas que devem orientar as nossas investigações: 1 - Como é que é implementado no cérebro o processamento de informação? ; 2 - Quando é que os processos e as estruturas específicas são utilizados no processamento de informação? 1 - Quanto ao primeiro grupo importa saber: 1.1 - Que áreas implementam sistemas com funções específicas? Kosslyn fala de conexões recíprocas no sistema neural, em que uma área dá e recebe informação de outras áreas. Para sustentar esta hipótese Kosslyn refere algumas experiências efectuadas em primatas a quem foram removidas áreas específicas do cérebro (memória espacial, memória dos objecots, visão espacial, visão dos objectos) que levam à conclusão de que já existem dados no cérebro que precedem o processamento de informação. Casos de reconhecimento sem identificação (ou seja, em que existe reconhecimento físico mas não consciente) indicam que o processamento (físico) das propriedades do objecto teve lugar, mas não a activação das memórias associadas. O processamento de informação associa as áreas das propriedades dos objectos às áreas das propriedades espaciais e às memórias associativas. No caso de uma visão não canónica de um objecto (um ponto de vista estranho, por exemplo), o processamento de informação pode inverter o seu sentido (das memórias associativas às propriedades espaciais, às propriedades dos objectos), por forma a conseguir um correcto processamento da informação. 1.2 - Que áreas implementam sistemas simples? 1.3 - Que operação específica corresponde a uma área cerebral específica? É, por exemplo, possível estimular a percepção de uma cor onde não há cor nenhuma. 1.4 - Que propriedades de estruturas subjazem a uma capacidade particular? 1.5 - Podem múltiplos processos estar na base de uma capacidade em particular? Segundo o Professor Kosslyn, sim. 2 - Quanto ao segundo grupo, Kosslyn quer investigar: 2.1 - O modo como é inferido um processo pela presença de activação (body-engaged). 2.2 - A variação de activação necessária para prever uma acção. Segundo Kosslyn, prever determinada tarefa ajuda a activar uma determinada área. 2.3 - Como é que o processamento varia com a prática? 2.4 - Como é que o processamento varia com o contexto? Está provado que o contexto de uma acção influencia o seu processamento. Kosslyn dá o exemplo de casos em que uma tarefa mecânica torna-se mais difícil que uma tarefa manual conceptualmente semelhante. 2.5 - Como é que o processamento depende de processamentos anteriores? Conclusão: Para tirarmos o melhor proveito das técnicas de neuroimagem no estudo do cérebro temos de dirigir as nossas investigações para perguntas concretas sobre áreas e funções específicas. Perguntas que dirijam os nossos olhares para tarefas específicas, fazendo desse modo a ligação necessária entre a neuroimagem e os estudo comportamentais. * notas sobre o 5º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, realizado de 31 de Março a 3 de Abril de 2004 pela Fundação Bial. * entrevista de Stephen Kosslyn ao jornal Público (0) comentários sexta-feira, maio 21, 2004
Aquém e Além do Cérebro* 1ª sessão. Metodologias Mente-Cérebro: problemas e avanços. Processos não conscientes precedendo decisões intuitivas - Dick Bierman A conferência de Dick Bierman, Professor de Parapsicologia na Universidade de Amesterdão, serviu para apresentar um novo método para estudar a hipótese do Marcador Somático avançada por António Damásio na sua tentativa de encontrar um fundamento biológico para a mente. O método proposto por Bierman substitui o método de medição do Marcador Somático usado de condução pela pele, pelo método de gravação do movimentos do olho e de dilatação da pupila. Conseguindo-se assim uma maior precisão na medição dos processos físicos que ocorrem no corpo antes de ser tomada uma decisão consciente. Segundo Bierman, na tomada de decisões entram em jogo três factores: - A aprendizagem implícita - O desenvolvimento do Marcador Somático - A tomada de atenção (inconsciente) ao Marcador Somático resulta em situações vantajosas para o organismo. Vários testes empíricos confirmam que a teoria de Damásio está correcta e que o Marcador Somático conduz, de facto, o processo de decisão. Há de facto um aumento da condutividade da pele antes de ser tomada uma decisão. No entanto, este processo ocorre apenas na fase pré-conceptual, quando são tomadas decisões intuitivas (quando há pouco tempo ou quando existem poucos dados). Uma tomada de posição, diz-nos Bierman, passa-se portanto Aquém do Cérebro. São processos físicos, devidamento identificados, que causam os nossos estados mentais. Isto, hoje em dia, é quase um truísmo. Mas, e Além do Cérebro? Será que a projecção de acontecimentos futuros influenciam a tomada de decisões? Existem razões para acreditar que sim, que o organismo consegue prever o futuro, ou seja, é pré-senciente. Estudos acerca dos níveis de condutividade da pele antes de o organismo ser estimulado físicamente indicam que a sua reacção é pré-senciente. Ou seja, aos três factores de acesso à intuição, que vimos atrás: - A aprendizagem implícita - O desenvolvimento do Marcador Somático - Atenção ao Marcador somático Temos agora que acrescentar um outro: - A pré-senciência As conclusões finais de Bierman confirmam a hipótese do Marcador Somático e a importância do conhecimento implícito e do conhecimento explícito na tomada de decisões. A pergunta que Bierman deixa para uma possível linha de investigação futura é se será possível incluir todos os aspectos da intuição (incluindo a pré-senciencia) num "paradigma de intuição unificado". * notas sobre o 5º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, realizado de 31 de Março a 3 de Abril de 2004 pela Fundação Bial. (3) comentários terça-feira, maio 18, 2004
Diálogos entre um neurobiólogo e um filósofo V O Desejo e a Norma 1. Das Disposições naturais aos dispositivos éticos Paul Ricouer - Voltemo-nos agora para as origens das nossas condutas morais na evolução das espécies. (...) Temos de conhecer bem a originalidade das categorias próprias da reflexão ética para sabermos se existe um conhecimento neuronal. A priori não contestei a possibilidade de existir algum. Pretendi simplesmente afirmar a autonomia da fenomenologia em relação à ciência neuronal. No que se refere à origem da moral, estamos perante um caso de amálgama semântica: origem no sentido de antecedência, para falar como Darwin, ou origem como justificação. Jean-Pierre Changeaux - Amálgama essa que eu não faço. Origem para mim, significa descendência, antecedência e, sobretudo, ponto de partida. Paul Ricouer - A amálgama de que falei é ainda mais grave quando se trata da palavra fundamento, que tanto pode significar substracto (a base neural, por exemplo) como legitimação a título último. Com este último sentido entramos numa nova problemática, que já não é a problemática da evolução, mas o saber como deve comportar-se a espécie humana. A grande diferença entre os homens e os animais é que estes são, de algum modo, normados pelo seu equipamento genético, enquanto o mesmo não acontece com os humanos. Como dizia Kant, a natureza deixou-nos à mercê dos seus equipamentos e disposições, e temos de ser nós a ssumir uma actividade estruturante de natureza normativa. Jean-Pierre Changeaux - O aspecto genético, ou epigenético, na produção e na aquisição das regras morais, insisto, é essencial para a espécie humana. Paul Ricouer - Para resumir a minha argumentação diria portanto: em primeiro lugar temos o problema da predisposição, em segundo lugar, a necessidade de introduzir o normativo, e em terceiro lugar a necessidade de colocar em sinergia a ordem do desejo e a ordem do normativo. Jean-Pierre Changeaux - Já focámos amplamento o problema da predisposição. A necessidade de introduzir o normativo, isto é, de produzir regras que limitam o campo das condutas possíveis interpreta-se, em minha opinião, num quadro evolucionista que incorpora a evolução cultural. (...)A normatividade permite uma economia de escolha, facilitando a vida do grupo social. São um pronto-a-comportar-se-correcto. Em que medida estas predisposições neurais e comportamentais que participam na elaboração das regras morais vão buscar as suas origens a espécies animais que precederam o homem? É esta a questão que formulo. Paul Ricouer - Procede portanto retrospectivamente, procurando origens para o nosso projecto humano. O projecto ético assenta, então, numa selecção operada entre as disposições herdadas dos nossos ascendentes. Mas, para ser eficaz, a ética necessita de algo mais que predisposições. Necessita de uma parte institucional e política. Jean-Pierre Changeaux - Somos ao mesmo tempo seguidores e produtores de regras. Quero compreender como se destaca progressivamente a normatividade a partir das predisposições do cérebro do homem. Paul Ricouer - Mas esta normatividade não é sustentada por nenhum progresso observado na natureza. Para que a normatividade se liberte, é preciso que ela própria se pressuponha, é uma noção auto-referencial. Jean-Pierre Changeaux - Em minha opinião, ela não se pressupõe. Constrói-se numa perspectiva histórica com os nossos cérebros de homem capazes de, precisamente, auto-referência. Mas gostaria mais de voltar ao terceiro ponto da sua argumentação, a sinergia entre predisposições favoráveis e as normas. Como descobrir a concordância entre a ordem do desejo e a ordem do normativo? O quadro evolucionista facilita consideravelmente a definição de níveis de complexidades. Fiz uma reflexão evolucionista e neurobiológica no sentido de distinguir vários níveis na exigência ética e no julgamento moral. (continua...) (0) comentários segunda-feira, maio 17, 2004
Diálogos entre um neurobiólogo e um filósofo IV Nas Origens da Moral Jean-Pierre Changeux - As implicações da teoria da evolução natural no que respeita aos sistemas de crenças e de ética são imensas. Afigura-se plausível que a evoluçãp genética extremamente rápida dos antepassados do homem tenha utilizado elementos da vida social, linguagem, condutas "morais, etc., que depois agiram em retorno sobre ela. Paul Ricouer - Todas as questões referentes à disposição natural para a moralidade são questõers retrospectivas, procurando o normativo em causa para trás de si mesmo. Jean-Pierre Changeux - Qual é o problema do olhar retrospectivo do biólogo? As hipóteses científicas estão submetidas a um constante veredicto dos factos e às críticas permanentes da comunidade científica (sempre sem piedade!). (...) Ainda segundo Darwin os instintos estão na base da moral. A evolução moral substitui, assim a evolução biológica. Mesmo as conductas altruístas podem não ser contra natura. Podem ir no sentido da natureza. Paul Ricouer - É, mais uma vez, retrospectivamente, partindo da moralidade constituida, que analisamos a moralidade. Jean-Pierre Changeux - Certos comportamentos altruístas animais parecem indicar que a regra de ouro ética já existe neles de forma embrionária, sem formulação linguística. Paul Ricouer - É sempre a partir de uma posição humana que interpretamos os comportamentos animais. Mais uma vez acredita-se no olhar retrospectivo. O sentido moral que encontramos na natureza depende do sentido que lhe queremos dar. Desligada do nosso questionamento moral, a natureza não vai em nenhum sentido. Jean-Pierre Changeux - Este olhar retrospectivo parace-me indispensável em qualquer método científico. Importa reconhecer "o que é" antes de se formular a questão das origens. As primeiras estruturas da moralidade Jean-Pierre Changeux - O português António Damásio avançou com a hipótese de um mecanismo natural, a que chamou de marcador somático que consiste numa emoção agradável ou desagradável a quando da projecção interior das consequências esperadas da diversas opções possíveis. (...) Uma das estratégias da ética é adiar a satisfação de um desejo, em favor de um benefício futuro. As investigações de Damásio sugerem ainda que a avaliação implícita precede o raciocínio explícito - e é lícito perguntar se não será este o caso a quando de tomadas de posição de alcance ético. Paul Ricouer - Permito-me observar, nesta fase, que sabemos muito mais pela reflexão dos moralistas, pela literatura, pelo romance, do que pelas neurociências. Há ainda o problema dos métodos de investigação usados pelas neurociências, que analisam doentes e casos patológicos, como lesões cerebrais. Canguilhem sugeriu que nestes casos não se trata de um défice mas de uma reconstrução, pelo que há que ter isso em conta. O termo marcador somático é um termo híbrido que tanto significa interioridade psíquica como interioridade neuronal. Da história biológica à história cultural: a valorização do indivíduo Paul Ricouer - O problema fulcral da moralidade é o seguinte: é a partir de uma posição moral admitida que partimos à procura dos seus antecedentes biológicos. Jean-Pierre Changeux - Da mesma forma que, por exemplo, a linguagem (ver artigo sobre Chomsky na Via da Verdade - 3ª Feira, 17 de Junho de 2003), o nosso cérebro teria capacidade de inovação ética, de selecção e de transmissão das normas da vida moral. Paul Ricouer - A pluralidade e adiscórdia parece representar um dado insuparável da nossa condição humana. A história cultural não é um prolongamento da história biológica que, na opinião de Stephan Jay Gould, terminou há 100 000 anos. Como incorporar este fenómeno na sua perspectiva neuronal? Jean-Pierre Changeux - Para isso há que desenvolver uma fisiologia da marca cultural. in O que nos faz pensar? Jean-Pierre Changeux e Paul Ricouer, ed 70 (continua...) (0) comentários quarta-feira, maio 12, 2004
Pragmatismo - Hilary Putnam No dia 11 deste mês esteve na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a convite da Professora Sofia Miguens, do Departamento de Filosofia desta faculdade, Hilary Putnam (lê-se Pótnam), Professor Emérito da Universidade de Harvard e, neste momento, Professor Visitante na nossa vizinha Universidade de Santiago de Compostela. Hilary Putnam está para a filosofia como Ronaldo ou Maradona estão para o futebol, pelo que não é de estranhar a grande afluência que a sua conferência teve (umas 30 pessoas, que em filosofia em Portugal, corresponde a um estádio cheio). Putnam veio ao Porto falar de Pragmatismo, corrente filosófica da qual se tem aproximado e que engloba nomes como Peirce, William James e J. Dewey. Putnam destacou a posição única deste movimento em relação a outras três grandes correntes filosóficas: o naturalismo, a tradição aristotélica e o existencialismo. Falou ainda, embora sucintamente, de duas das suas propostas teóricas mais arrojadas em filosofia da mente e da linguagem: o funcionalismo e o externalismo semântico, respectivamente. Sendo considerado por muitos um filósofo analítico, Hilary Putnam prefere, no entanto, afastar-se do rumo que esta corrente anglo-americana da filosofia tem tomado actualmente, ignorando sobranceiramente a cultura, as artes e a própria história da filosofia. Como se lê no folheto de apresentação da conferência: Putnam prefere a definição de Stanley Cavell, seu colega em Harvard: a filosofia é educação dos adultos, daquilo que num adulto participante numa cultura é ainda educável, aberto e que tem a ver com a sensibilidade à vida teórica. Naturalismo - Introduzido pela primeira vez pelo filósofo americano J. Dewey, o termo naturalismo não tinha, então, a significação que tem hoje, materialismo, querendo antes designar uma filosofia anti-supernaturalista, ou seja, anti-metafísica (conforme se desenhava a metafísica da altura, demasiado idealista e abstraída da realidade concreta). Segundo a posição naturalista original, as características fundamentais do mundo são físicas e não psicológicas ou sociais, que são características supervenientes. Assim, um pensador que procure os princípios básicos do mundo deverá estudar física, como aliás o fizeram os grandes metafísicos de outrora (Descartes, Leibniz, Kant...). Hoje em dia, segundo Hilary Putnam, nada disso se passa, e é com assombro que se assiste à feudalização de alguns grupúsculos filósoficos que insistem em ignorar o discurso, os métodos e as descobertas cientificas. Tradição Aristotélica - Para Aristóteles as activades perceptivas são realizações mentais de estados de matéria. Dewey seria, então, um aristotélico naturalizado, ou seja, um naturalista sem a "bagagem" metafísica do aristotelismo. Segundo Putnam, os princípios físicos (os pretensos primeiros princípios dos naturalistas não servem para explicar os níveis de intelectualidade mais elevados. A mecânica quântica não serve para explicar a Crítica da Razão Pura de Kant. Para um pragmatista a realidade tem mais do que um nível explicativo, ou seja, a física não tem a última palavra sobre a classificaçâo do mundo. sobre a ética, por exemplo, a literatura e a arte têm muito mais a dizer do que a neurobiologia. Putnam cita neste sentido William James: "Sou um realista natural. Não existem verdades sem um interesse particular." O aspecto anti-aristotélico do prgmatismo não é apenas a sua rejeição das essências, mas também a rejeição da ideia de uma origem à priori do conhecimento. Existencialismo - A corrente existencialista que começou a ser esboçada por Nietzsche procura oferecer um diagnóstico e uma cura para a miséria da vida humana. Dependendo dos autores, esta cura é em Nietzsche a Vontade de Poder, a necessidade de se viver intensamente cada momento (Amor Fati), com Kierkegäard uma relação mais autêntica com Deus, e com Heidegger uma vida mais autêntica. Para um pragmatista, o existencialismo é uma corrente filosófica que fica muito aquém daquilo que se propõe: resolver os problemas existenciais do homem. Qualquer leitor de Nietzsche (Nietzsche não será propriamente um autor da corrente existencialista, mas está sem dúvida alguma na sua origem), mesmo o mais avisado quanto ao sentido metafórico das suas obras, sabe que este não teve, de modo algum, em conta as consequências sociais daquilo que escreveu. A procura de uma conexão existencialista com os fundamentos terá conduzido Heidegger a uma filosofia política e a uma filosofia da história desastrosas. Já um pragmatista não quer para si o papel de profeta, recusando-se aceitar que existe apenas um problema para os homens e uma única solução. O existencialismo, diz-nos Putnam, não é um sem sentido, mas não responde às perguntas que coloca. Qual deve ser então, para um pragmatista, o método da filosofia? A filosofia deve, antes de tudo, acentar em factos. Os seus métodos devem derivar da experiência e não de uma qualquer dor de alma existencial subjectiva. Hilary Putnam pareceu-me ser (embora não o tenha dito) contra a ideia de uma filosofia criadora, como preconizava Nietzsche ou Bergson. A filosofia deve partir do mundo, deve ser reactiva e não activa, para usar os termos nitzscheanos. A visão pragmatista da filosofia recusa qualquer primazia do teórico à priori favorecendo o experimentalismo, mas constatando que existem vários níveis explicativos, diversos sentidos. Segundo Putnam, onde o materialismo hodierno peca é em não compreender que a explicação não se dá nos níveis mais básicos (onde a experiência pode incidir) mas nos níveis mais elevados da realidade. É ao afirmar que não é possível reduzir a semântica (nível elevado) a estados físicos (nível baixo) que Putnam se afasta da doutrina Verificacionita (ver Via da Verdade - Sábado, Junho 14, 2003) típica dos pragmatistas. Para estes a experiência é o critério último de verdade. Ou seja, algo só tem significado quando pode ser experimentalmente verificado. Quando a experiência confirma a teoria há verdade, quando a experiência não é possível não há significado. Quanto ao papel da filosofia, esta deve ser uma crítica da crítica, uma "educação para adultos". Não deve ignorar os problemas existenciais inerentes à condição humana, mas deve tratá-los de uma forma responsável (0) comentários terça-feira, maio 11, 2004
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Aquém e Além do Cérebro* What is next for philosophy - Patricia Churchland Patricia Churchland, Professora de Filosofia (Neurociência, Mente e Ciência) na Universidade da Califórnia, veio ao Porto falar das implicações éticas do progresso das neurociências: o problema do livre arbítrio, da livre escolha e da responsabilidade. Segundo P.Churchland os dados científicos mais recentes descrevem os cérebros humanos como máquinas causais. Ou seja, que passam de um estado a outro motivados por razões antecedentes. Como é que esta evidência influencia as nossas considerações acerca do livre arbítrio, da livre escolha e da responsabilidade dos seres humanos? Em face dos dados científicos que indicam que as nossas decisões e escolhas fazem parte de um processo causal (sinais sensoriais; memória e capacidade de aprendizagem; sistema de recompensas ? desejos; estados comportamentais, etc.), revelando a existência de uma preparação não consciente do agenciamento, como encarar o argumento que diz que para a nossa acção ser livre tem de ser não causada? Segundo este argumento, se todo o agenciamento mental é causado não somos livres, ou seja, nunca estamos em controlo dos nossos actos. Em primeiro lugar é preciso saber o que é que entendemos por ?livre escolha?. Segundo P.Churchland, para que uma escolha seja livre não é necessário que não seja causada. Churchland não duvida que tudo o que fazemos ?vem de dentro?, tendo surgido no nosso cérebro por evolução através do método de recompensa/castigo. No entanto é contra qualquer tentativa de explicação metafísica para o problema do livre arbítrio e da responsabilidade. A resposta deve ser pragmática. A verdade (demonstrada cientificamente) é que o cérebro parece criar a ilusão de estar em controlo, como por exemplo, no caso de pacientes estimulados por via cortical sem consciência de que o seu ?livre arbítrio? está a ser manipulado. Em última análise, diz-nos P.Churchland, as nossas razões são representações de Estados Cerebrais e todas as regras e normas que seguimos saem do cérebro, são instanciações de funções cerebrais. No entanto, os nossos comportamentos apesar de causados não são previsíveis. A possibilidade de se prever um comportamento pela análise de um determinado estado causal é irrisória, simplesmente porque as variáveis são imensas. Assim, para P.Churchland, temos livre arbítrio porque no nível de consciência em que nos encontramos temos controlo sobre as nossas acções. O que aqui importa analisar é aquilo que muda de um cérebro que tem o controlo sobre as suas acções para um que não tem esse controlo. Como definir estar em controlo? Para estar em controlo um cérebro tem de estar em estado de predição.Um cérebro está tanto mais em controlo quanto maior for a sua capacidade de realizar vaticínios a longo prazo. Considera-se que uma pessoa não está em controlo quando sofre de alguma doença do foro psicológico, como epilepsia, síndrome de Tourette, desordem maníaco-depressiva, mutações genéticas associadas a abusos na infância, etc. No entanto, avança P.Churchland, os conceitos que usamos actualmente podem ainda não estar à altura da explicação que procuramos. Para que a psicologia seja capaz de responder às questões fundamentais sobre a natureza do ?estar em controlo?, é necessária uma revolução conceptual, em micro e macro escala, que forje os conceitos necessários. Conforme sugerem os estudos de António Damásio acerca do raciocínio, do agenciamento, da sabedoria e da consciência, existe uma explicação neural (física, portanto) para a natureza do ?estar? ou ?não estar? em controlo: situações neuro-químicas (ver capítulos 6, 7 e 8 de O Sentimento de Si de António Damásio); a importância do córtex frontal; a recente evolução da consciência neural através de mecanismos de recompensa castigo, etc. Este é, segundo A. Damásio, um processo dinâmico e cujas fronteiras são extremamente difusas difusas. É aqui que P. Churchland coloca o seu desafio à filosofia que deverá trabalhar com a neurociência com o intuito de criar condições aos seres humanos para que estes mantenham e desenvolvam a sua capacidade de auto-controle. * notas sobre o 5º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, realizado de 31 de Março a 3 de Abril de 2004 pela Fundação Bial. (0) comentários quinta-feira, maio 06, 2004
Diálogos entre um neurobiólogo e um filósofo III O espírito ou a matéria? Jean-Pierre Changeux - Tanto a inspiração do poeta como a do cientista, ousaria mesmo dizer do filósofo, deve ser procurada no seu funcionamento cerebral, que inclui a experiência que tem do mundo, o saber que a humanidade adquiriu ao longo de milénios de história e a sabedoria dos homens de pensamento que viveram no nosso planeta. (...) Não há nada de inefável no trabalho criador do artista. Paul Ricouer - É legítimo afirmar, a título programático, que a conexidade neuronal será um dia capaz de cobrir os comportamentos estruturados pela linguagem, pelos símbolos, pelas normas. (...) Mas nesse caso, que provaremos? Que uma actividade cerebral está subjacente a todos os fenómenos mentais? Mas essa é a hipótese de trabalho das ciências neuronais! A crítica que faria de novo ao seu projecto científico é que ele federa todas as disciplinas anexas sob o estandarte da neurobiologia, sem ter em conta a variedade dos referentes respectivos destas ciências, nem a dos seus programas científicos, em vez de confiar à interdisciplinaridade o trabalho de colocar em sinergia estas ciências, que podem lutar, cada uma delas, pela hegemonia em relação aos outros membros da constelação. (...) Digo apenas o seguinte: ou a referência a este neural não é pertinente para a compreensão das operações consideradas, ou não conhecemos absolutamente nada deste neural. Jean-Pierre Changeux - Não devemos confundir desconhecido com irreconhecível. Para mim nada é irreconhecível. (...) Talvez os progressos das ciências do cérebro sejam tais que suscitam o receio de uma hegemonia. in O que nos faz pensar? Jean-Pierre Changeux e Paul Ricouer, ed 70 (0) comentários |